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Praças do Centro: abandono, sujeira, insegurança e degradação ambiental

By 14/04/2013julho 26th, 2017No Comments

FORTALEZA

Com exceção do Passeio Público, as outras enfrentam lixo, descaso e viraram abrigo para moradores de ruas

Ao tentar passear pelas praças do Centro, o empresário espanhol, Juan Diaz, foi alertado por amigos brasileiros: cuidado e não se espante com o cenário de abandono. Juan pensou que não poderia deixar Fortaleza sem conhecer, pelo menos, o ícone da Capital: a Praça do Ferreira. Ficou desiludido.

Principal ícone de Fortaleza, a Praça do Ferreira virou banheiro público fotos: José Leomar

Ali, se deparou com lixo, bancos quebrados e pior de tudo: a fonte está inativa e serve como banheiro público para os inúmeros moradores de rua que “adotaram” o espaço como dormitório e ganho de vida. “Fiquei decepcionado. Se aqui, que aparece em propagada do governo como sendo cartão-postal, imagino o resto”, questionou.

O cenário encontrado pelo turista reflete o descaso com nosso patrimônio público e cultural. E alerta que, ao completar 287 anos de existência, Fortaleza precisa olhar com mais atenção para as suas praças. Dos 23 logradouros do Centro, apenas o Passeio Público está em bom estado para uso da população.

O restante está “invadida” por viciados em drogas e sofre com o abandono. Nas comemorações pelo aniversário da cidade, a reportagem do Diário do Nordeste percorreu as principais praças do Centro e encontrou uma triste situação: além da Praça do Ferreira, já citada acima, as outras carecem de reforma, policiamento e proteção aos monumentos. Já A Praça General Tibúrcio, a Praça dos Leões, é um exemplo. Ali, a estátua de Rachel de Queiroz, teve os óculos roubados e grupo de moradores de rua e viciados em drogas afastam os frequentadores.

Luta
O presidente da Associação dos Defensores do Livro e diretor de Patrimônio Público do Conselho Comunitário de Defesa Social, Francisco José Machado, conta que a luta é diária para manter o espaço limpo (o coreto virou banheiro público e o mau-cheiro chama atenção). “Queremos promover na praça atividades culturais e para isso, temos a promessa do titular da Secretaria Regional do Centro (Sercefor), Régis Lopes”, garante.

A comerciante Antonieta Pereira reclama das condições da Praça José Bonifácio, conhecida como a do 5º Batalhão. Além da sujeira e bancos quebrados, ela conta que os sem-tetos ficam despidos para tomar banho de cuia e fazem sexo para quem quiser presenciar sem nenhum constrangimento. “É uma imoralidade total”, lamenta.

A Praça Clóvis Beviláqua virou um problema crônico. A das Esculturas está pichada, suja e alguns monumentos faltando. A da Estação, ponto de ambulantes, e a dos Voluntários precisa de reforma urgente.

Na Praça do Cristo Redentor, o piso está esburacado e os bancos em péssimo estado de conservação. A dona de casa Joana Teófilo, critica o abandono. “Essa praça está próxima ao Dragão do Mar, Avenida Monsenhor Tabosa e Mercado Central. Era para ser uma praça bem cuidada e policiada”, ressalta.

Situação semelhante é observada na Praça Dom Pedro II (Praça da Sé). Nela, a chamada fonte cinética, obra do artista Sérvulo Esmeraldo, continua desativada. “Nos anos que trabalho aqui, nunca a vi funcionar” comenta o taxista Pedro Lopes.

Alternativas

O professor José Borzacchiello da Silva avalia que a população não desconhece suas praças e nem as ignora. Isso só acontece, aponta, nos bairros mais equipados, ocupados por segmentos sociais de maior poder aquisitivo que encontram espaços alternativos para o ócio e o lazer.

Moradores de rua e viciados em drogas “tomaram” os espaços que deveriam ser da maioria da população. Ali, eles dormem sobre os bancos, tomam banho e comem

 

Mesmo assim, argumenta, a prática da caminhada e de exercícios ao ar livre tem devolvido as praças à população. Com relação às praças do Centro, ele frisa que é imperativo recuperar a Praça do Ferreira. “É a mais famosa de Fortaleza, com significativa expressão simbólica na cultura da cidade. Contém universos distintos e experiências múltiplas”, aponta o especialista.

Ele lembra que ali é o espaço natalino preferencial da cidade. A Coluna da Hora, relaciona, e os quiosques dos antigos cafés registram a importância de seus tempos pretéritos. “A velha cacimba do boticário Ferreira, marca presença, reiterando a imagem de seu antigo prefeito”, salienta, acrescentando que a porção norte da praça, com a Travessa Pará, que ocupa a área do antigo Abrigo Central, contrasta com os edifícios restaurados na porção sul. “Nessa face é sempre possível um pastel e um caldo de cana. O mesmo acontece com as faces leste e oeste. Numa, o domínio dos armazéns de tecido, noutra o Excelsior e o São Luiz e a conservada farmácia”, ressalta.

Além disso, indica o jornalista e historiador Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez, a Praça do Ferreira abriga grupos de discussão política, a diversidade com todas as suas variações. “É um espaço democrático por excelência e orgulho da cidade”, pontua.

Investimento

O promotor de Justiça e titular do Núcleo de Atuação Especial, Controle, Fiscalização e Acompanhamento de Políticas de Trânsito, do Ministério Público Estadual (MPE), Gilvan Melo, avalia que investir nas praças é aplicar em qualidade de vida. “São lugares para ver e ser visto, para comprar e fazer negócios, para passear e fazer política. No entanto, elas precisam de maior zelo não só do poder público. O cidadão também precisa recuperar o sentido de pertencimento e reconquistar esses espaços”.

A doutora em Planejamento urbano, Cleide Bernal, analisa que atualmente, o jovem da Fortaleza urbanizada, modernizada e pós-modernizada não conhece a cidade. Ele, que só vai de casa para a escola, universidade ou para o shopping e à praia, não tem um conhecimento, sequer, geográfico da cidade. Com isso, as praças podem e devem oferecer opção atrativa para que todos possam ter esse logradouros como “refúgios” verdes e ar puro. “Mas, é preciso investir”, diz.

Para o historiador Sebastião Ponte, é necessário ter em conta também que as praças sofrem concorrência de muitas opções de lazer, como cinema, shoppings, TV, praia, shows, futebol, restaurantes e internet.

No século XIX até o início da década de 1920, em Fortaleza, por exemplo, lembra, havia pouquíssimas fontes de lazer coletivo, então a população lotava as praças centrais e, sobretudo, o Passeio Público para desfilar com a melhor roupa ou a vestimenta da moda, flertar, passear, conversar, namorar ao som das bandinhas postadas dentro dos coretos. “Mas, a partir de 1917, começou a era do cinema em Fortaleza, e depois o rádio, os banhos de mar (de 1925 em diante), clubes praianos (anos 50) e as praças foram sendo deixadas em segundo plano. Isso não deve acontecer e as praças do Centro devem integrar o plano de requalificação do bairro”, conta.

A arquiteta e urbanista Denise Almeida diz que as praças são dos mais ricos espaços de convivência da cidade. “Fora o Passeio Público, o Centro, apesar de ser rico em praças, não oferece a quem aprecia estar nelas, praças requalificadas e, mais que isso, com segurança 24 horas. Isso vai motivar a população”, aposta.

Se, segundo o jurista ambientalista Paulo Affonso Leme Machado, “a praça não deve ser conservada porque é uma paisagem notável. Mas simplesmente – e basta – porque é uma praça”, Fortaleza ainda tem muito o que refletir e realizar sobre isso.

A reportagem tentou, por quatro dias, ouvir o titular da Secretaria Executiva Regional do Centro de Fortaleza (Sercefor), Régis Dias, sobre os projetos, prazos e recursos para as praças do Centro, sem obter sucesso.

Passeio Público é única exceção

Os ruídos da cidade dão vez ao cantos dos pássaros, o calor quase insuportável dá lugar à sombra de frondosas árvores e a sensação de tranquilidade substitui a correria decorrente da vida urbana. Sim, o Passeio Público virou um oásis no Centro de Fortaleza. Único logradouro “reconquistado” pela população da cidade, é exemplo de que é possível retomar as outras praças do Centro da Capital.

Mais antiga e arborizada praça da Município, o Passeio Público é um dos equipamentos culturais mais simbólicos para a Cidade e “redescoberto” pela população de Fortaleza após reforma, em 2007. É referência e cartão-postal da Capital

“Aqui é muito legal. Depois da reforma, sempre que estamos no Centro, não deixamos de descansar na Praça”, afirma a professora Maria Aparecida de Souza. Ela e a filha, Juliana, se dizem encantadas com o lugar. “Minha mãe me contou que aqui já esteve na maior bagunça. É incrível como mudou. No meio dessa cidade agitada, aqui é um pedacinho do paraíso”, diz a garota.

A sensação de bem-estar, sentida por mãe e filha e por quem visita o espaço, é explicada pela pesquisadora Junia Maria Correa. Segundo ela, os muitos benefícios trazidos pelas praças públicas decorrem tanto da vegetação que pode ser abrigada por elas, quanto de aspectos subjetivos relacionados à sua existência, como a influência positiva no psicológico da população, proporcionada pelo contato com a área verde e pelo uso do espaço para o convívio social.

O local foi edificado no século XVIII como Largo de Fortaleza. De lá para cá, já foi chamado de Largo do Paiol, Largo do Hospital da Caridade, Largo da Misericórdia. Em 1879, após o fuzilamento de seis envolvidos na Confederação do Equador, passou a ser conhecido como Largo dos Mártires. Apenas em 1881, começou a ser identificado como Passeio Público. Foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1965. A praça passou por períodos de esquecimento. No começo dos anos 2000, eram poucas as famílias que costumavam usar o local para lazer. Hoje, depois da revitalização realizada em 2007, voltou a ser frequentado pela população.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

Educação patrimonial é saída

 

Gerson Linhares

Educador e turismólogo

Fortaleza com seus 287 anos de história ainda guarda suas relíquias arquitetônicas em um Centro antigo esquecido porém ainda majestoso em suas ecléticas formas, tons e cores. Caminhamos há 18 anos através do Programa Fortaleza a Pé pelas suas ruas, antigos boulevards e logradouros centenários, um programa de educação patrimonial onde o cidadão cearense tem a oportunidade de revisitar seus espaços e relembrar sua memória patrimonial. Praças e logradouros nostálgicos nos remetem a um passado rico de tradição e bucolismo. Material importado que vinha do Velho Mundo para destacar a importância de se ter uma cidade aformoseada com seus palacetes, casarões, igrejas centenárias e monumentos em homenagem aos partícipes da sociedade vindoura. Tudo pelo belo, pela disciplina e pela estética da belle époque.

A realidade do Centro antigo da Capital é assim, um caldeirão de patrimônio histórico, sempre à espera de um olhar mais sensível do cidadão e de um toque de maestria pela preservação por parte do poder público local. Um patrimônio esquecido, alquebrado e não respeitado. Muitos problemas oriundos da falta de visão das antigas gestões municipais que se acumularam como tempo.

Nos deparamos com uma sociedade sem educação, sem a valorização da nossa história, sem memória preservada, sem a decência do bem zelar. Um poder municipal que ainda é aguardado pelas boas novas na área patrimonial. Então, defendemos: caminhar para conhecer, conhecer e caminhar.

É assim que cada cidadão deveria agir, um toque sutil pela luta inconstante de educar um povo. Um gesto simples e voluntário que realizamos há anos pelos bairros antigos da nossa capital, tudo em prol da educação e da valorização do patrimônio histórico e arquitetônico. Fazemos papel de contadores da história, mediadores de saberes e conflitos, de conciliadores da história, vigilantes do patrimônio, de ouvidores do bem público e de verdadeiros amantes e amigos do Centro. Quem já participou gostou e aprovou.

O programa defende ainda que é preciso promover mais educação patrimonial nas escolas, nos bairros e comunidades. Os cidadãos da antiga e nova Fortaleza irão agradecer e com certeza buscarão novos caminhos.

Educação patrimonial para a população e turismo cultural aos turistas – ações imediatas para os 287 anos da nossa Capital.

FIQUE POR DENTRO

As faces das áreas verdes ao longo do tempo

 

A função histórica das áreas verdes (praças e jardins), na antiguidade, destinava-se essencialmente ao uso e prazer de imperadores e sacerdotes. Na Grécia, tais espaços foram ampliados não só para passeios, mas também para encontros e discussão filosófica. Na Idade Média, as áreas verdes eram formadas no interior das quadras e depois desapareceram com as edificações em decorrência do crescimento das cidades. No Renascimento, transformam-se em gigantescas cenografias, evoluindo, no Romantismo, como parques urbanos e lugares de repouso e distração dos citadinos.

Com o surgimento das indústrias e o crescimento das cidades, os espaços verdes deixaram de ter função apenas de lazer, mas passaram a ser uma necessidade urbanística, de higiene, de recreação e de preservação do meio ambiente urbano. Primeiros espaços livres públicos urbanos. Assim, atraíam as residências mais luxuosas, os prédios públicos mais importantes e o principal comércio, além de servir como local de convivência da comunidade e como elo de ligação entre esta e a paróquia.

ENQUETE

O que você acha das praças do Centro?

“A Praça José Bonifácio, a do 5º Batalhão, está muito abandonada mesmo. Quem trabalha aqui, como eu, que tenho banca de jornais e revistas, ou circula no entorno, percebe a situação difícil desse lugar”.

 

Everardo Silva

Comerciante

“Sou porteiro e todo dia, mas principalmente à noite e fins de semana, sou testemunha do que acontece nessa Praça da Bandeira: viciados em drogas, morador de rua, sexo e roubos. É muito complicado”.

Gleydson Oliveira

Porteiro

“A Praça do Ferreira está nunca situação de fazer chorar. A fonte não funciona faz tempo e, com isso, o lixo toma de conta do lugar que serve como banheiro público para os moradores de rua e viciados”.

 

Francisco Tavares

Autônomo

FRASES

“A Praça do Ferreira é a mais famosa da cidade, tendo significativa expressão simbólica na cultura da cidade”

 

José Borzacchiello

Geógrafo e professor

LÊDA GONÇALVES

REPÓRTER

Fonte Diário do Nordeste