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Número de missas diminui aos domingos pela baixa movimentação – DN

By 15/03/2015março 16th, 2015No Comments

CENTRO
A insegurança do local, nos fins de semana, é um dos fatores que tem inibido as celebrações eucarísticas

A Igreja do Rosário, a mais antiga da Capital, foi construída por escravos em 1730 FOTO: HELENE SANTOS

A Igreja do Rosário, a mais antiga da Capital, foi construída por escravos em 1730 FOTO: HELENE SANTOS

Ir à Missa aos domingos é uma obrigação do cristão católico, embora as igrejas tenham calendário litúrgico diário. Fatores sociais, porém, influenciam sobre a escolha do dia e, dependendo do impacto, o costume pode sofrer alterações. Em Fortaleza, nas paróquias espalhadas pelos bairros da cidade, o dia significa igreja lotada com missas que costumam acontecer, pelo menos, em dois horários. Uma realidade que até bem pouco tempo era comum nos templos do Centro, – bairro em que a cidade nasceu e onde estão algumas das igrejas mais importantes da história da Capital – mas que teve mudanças significativas nos últimos anos.

No local, estão a primeira capela da Capital, Igreja Nossa Senhora do Rosário, a Catedral Metropolitana de Fortaleza e as centenárias igrejas de Nossa Senhora do Carmo, do Patrocínio e o Santuário Sagrado Coração, que se integram ao conjunto de 14 basílicas construídas na região.

Mas, se há cerca de dez anos suas portas passavam o dia disponíveis para acolher os fiéis, hoje esta situação depende de muitas variáveis. Todas estas igrejas são administradas por quatro paróquias: São José, Catedral Metropolitana de Fortaleza, gerencia quatro; Nossa Senhora do Carmo cuida de quatro igrejas; São Benedito auxilia três capelas; e São Francisco de Assis rege três templos.

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De todas elas, apenas metade possui mais de uma celebração aos domingos. Cinco realizam apenas uma missa e duas nem sequer abrem suas portas: Rosário e Patrocínio, as mais antigas. A mudança diz muito sobre o comportamento social, local e vai além da religiosidade. A rotina da cidade mudou, e a do Centro mais ainda. O número de moradores reduziu, o movimento marcante é voltado para o comércio, as praças estão sujas e deterioradas e há muita insegurança na área.

É por conta destas questões que os fiéis começaram a se afastar dos templos, como afirma o padre Clairton Alexandrino de Oliveira, responsável pela paróquia São José. “A Igreja do Rosário perdeu muito o movimento quando fecharam a Rua Guilherme Rocha somente para pedestres. Não fazemos mais eventos, como batizados e casamentos, porque as pessoas não têm onde estacionar os carros e o acesso à igreja é bem complicado”, conta.

Outro problema relatado pelo vigário é a falta de segurança. “É necessário contratar dois homens para ficar dentro da igreja. Já tivemos casos de ladrões entrarem, puxarem a bolsa das mulheres e saírem correndo. Também existe a questão dos pedintes que atrapalham o momento de oração. Precisamos fechar as portas umas 16h30”.

Padre Clairton é também o pároco da Igreja da Sé, uma das instituições que resistiu às alterações da área.

“Aqui na Catedral conseguimos manter um bom fluxo de fiéis, mas muito se deve ao estacionamento e à segurança do local. Temos quatro missas aos domingos e quase todas estão lotadas”, explica. Situação bem diferente da Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, na Praça José de Alencar, que contava com celebrações a cada hora e hoje não realiza nenhuma aos domingos. São apenas três missas durante a semana.

Antônio Emídio trabalha há dez anos como segurança do local e conta que o principal fator para a capela fechar aos domingos é a insegurança. “De segunda até sábado, mais ou menos meio-dia, tem muita gente que ainda vem, tem o policiamento da Praça José de Alencar, mas quando chega domingo não tem um pé de gente. As pessoas que vinham pra missa, normalmente, eram assaltadas. Aqui fica tomado por pedintes”, relata.

A costureira Lúcia Maria Ferreira quando mais nova frequentava todo dia o Centro. “Morava na Parangaba, ia ao Centro constantemente. Estudava lá e aproveitava para fazer compras e passear também. Marcava meus encontro nas igrejas que eram bons pontos de referência”.

Lúcia gostava da Igreja do Patrocínio. “Adorava lá na semana, nos intervalos das missas tocava música clássica. Além disso, me sentia muito segura quando estava dentro lá. Mas agora, lamento a situação das igrejas, não as frequento mais”, afirma.

Moradia
Para especialistas, a questão não é meramente de fé, mas de infraestrutura, que para alterar o quadro de esvaziamento nos fins de semana, o Centro precisaria receber outras funções, como a de moradia. “Para o problema do Centro só há uma solução: de levar pessoas a morarem ali. Muitos estabelecimentos têm condições de colocar casas no interior do terreno comercial. A junção de moradia e comércio faria com que o Centro voltasse a ser valorizado”, explica o arquiteto e urbanista Jayme Leitão.

A assessoria de comunicação da Polícia Militar informou que a área do Centro é policiada por várias modalidades: duas viaturas do Comando Ostensivo Geral trafegam pelas ruas e avenidas; do Ronda do Quarteirão são três viaturas fazendo a patrulha. Existe também o policiamento motorizado por meio do Ronda de Ações Intensivas e Ostensivas (Raio), além do policiamento a pé nos principais pontos do Centro. O órgão ainda disse que, por conta dessas diversas modalidades, aquele é um local considerado bem policiado.

Revitalização
A Prefeitura de Fortaleza trabalha para a requalificação do Centro. De acordo com o secretário executivo da Secretaria Regional do Centro, Sanches Lopes, são feitas ações constantes nas praças. “Todos os sábados realizamos o Circuito de Praças, fazemos ações com pula-pula pra criança, reciclagem e distribuição de mudas. Existe também a varrição, coleta de lixo e lavagem periódica dos logradouros do bairro”.

Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Turismo de Fortaleza (Setfor) informa que existe um programa que inclui obras de recuperação de espaços públicos e edifícios históricos, melhoria da mobilidade urbana, criação de oportunidades de emprego, aumento da segurança pública e consolidação do segmento de turismo histórico e cultural.

A primeira etapa da reabilitação do Centro, que deve começar em 2015, prevê a melhoria do espaço urbano no quadrilátero entre as avenidas Imperador, Duque de Caxias, Dom Manuel e a Rua Dr. João Moreira.

Capela ressuscita as lembranças
O Centro esconde histórias e relíquias de Fortaleza que, por muitas vezes, passam despercebidas diante de olhares cotidianos. Abraçar a memória da Cidade é, antes de tudo, conhecer esse local. Algumas capelas contam muita da nossa história. A Igreja de Nossa Senhora do Rosário, que é a mais antiga aqui construída, erguida em 1730, guarda segredos em seu interior.

O templo era conhecido como Igreja dos Negros, pois foi edificada pelos escravos. “Naquela época, os negros não podiam frequentar a igreja dos brancos, por isso eles precisaram fazer uma só para eles”, conta o segurança Paulo César Marcos Pires, conhecido como Paulo do Rosário e que atua no local há 15 anos.

Por volta de 2001, quando passava por reformas estruturais, foram descobertas covas. “Fomos trocar o piso da igreja, daí quando começamos a tirar, descobrimos 54 covas, eram 50 de adultos e quatro de crianças. Depois de estudos, constatou-se que todos eram negros”, narra Paulo do Rosário.

Imagens
A capela guarda, ainda, algumas partes das pinturas, piso e imagens originais, a única alteração feita foi a mudança do teto.

No local também estão os restos mortais de Major Facundo. “Era vice-governador e morreu assassinado, com um tiro na cabeça. Sua esposa decidiu o enterrar na Igreja do Patrocínio para que ele ficasse de pé e em frente ao Palácio da Luz, sede do governo naquele período”, descreve o historiador Gerson Linhares.

O templo é visitado por turistas e fortalezenses. Entrar ali é reviver uma época distante, encontrar a história mais perto e conseguir absorver ainda mais as memórias da cidade.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

Antes o Centro era a “Cidade”
O Centro de Fortaleza era a “Cidade”. Eventos de toda ordem ocorriam ali. Palácio da Luz, Assembleia Legislativa, Câmara dos Vereadores, Fórum, tribunais, cinemas, teatros, restaurantes, tudo estava naquele local. O mesmo acontecia com as igrejas, e eram muitas, aliás, são muitas, dentre elas estão a Catedral, Coração de Jesus, Igreja do Carmo, do Rosário, do Patrocínio.

O comércio animado dos dias da semana dava lugar ao passeio tranquilo nas praças, após as missas, celebradas aos domingos. Os que estavam impedidos de ir à missa pela manhã, podiam cumprir seu dever religioso à tardinha ou à noite. Catecismos, missais, véus brancos e negros, terços e rosários. A saída das celebrações animava os espaços públicos. Nas praças, a possibilidade de fazer fotos, bater papo, comprar pipoca, algodão doce ou outras guloseimas.

A Cidade foi mudando, incorporando novos hábitos, ajustando-se à dinâmica da sociedade. Fortaleza crescia, caminhava em direção aos bairros com a criação de novas paróquias. O Centro refletia esse processo de mudança. As novas centralidades elegiam outros bairros e o advento dos shopping centers foi decisivo na reconfiguração da Cidade. O Centro reagiu ajustando-se à inexorável perda de importantes funções. Deixou de ser a sede de diferentes poderes.

A classe média seguia os novos rumos. Consultórios e escritórios abandonaram o Centro da cidade. A população dos bairros mais distantes e da extensa coroa periférica que bordeja Fortaleza elegeu o Centro como local preferencial para atender suas demandas de comércio e de serviços.

As igrejas sentem o redirecionamento dos fiéis. Ofícios religiosos são oferecidos pela mídia e chegam aos lares das pessoas. Grandes eventos são organizados atraindo os fiéis para os espaços públicos. No Centro da cidade, o comércio anima a vida cotidiana e é intenso até o sábado. As igrejas da área central continuam frequentadas por um público não paroquiano. São pessoas que fazem compras ou buscam serviços e a tranquilidade das igrejas para rezar.

No sábado à tarde, esse público já é diminuto. O esvaziamento das ruas dá lugar ao medo, à violência. Aos domingos, a multidão com seu vozerio some e as ruas desertas tornam-se, contraditoriamente, atraentes e assustadoras. As igrejas se ressentem desse esvaziamento. Os casamentos, antes realizados nas igrejas da área central, migraram para as paróquias. Não há espaço suficiente para estacionamento e não há também garantia de segurança.

José Borzacchiello da Silva
Geógrafo e professor titular da UFC

Ana Beatriz Vieira
Especial para Cidade

Fonte Jornal Diário do Nordeste.