TRABALHO NA GRANDE FORTALEZA (14/3/2010)
Falta de vínculo empregatício atinge cerca de 754 mil trabalhadores, 49,8% dos ocupados da RMF
O que têm em comum a diarista Francisca Nascimento Silva e o vendedor de som João Paulo Alves Maia? Aparentemente, nada. Na verdade, são profissionais que fazem parte das estatísticas oficiais do mercado de trabalho informal. E não estão sozinhos. Segundo os dados mais recentes da pesquisa mensal realizada pelo Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT), Dieese e Fundação Sead, quase metade da população ocupada na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) atuava sem vínculos formais, ou seja, sem a tal da carteira assinada.
A conta é a seguinte: do total de ocupados em dezembro último, 209 mil não têm registro em carteira laboral (13,8%). Outros 404 mil são autônomos (26,7%) – categoria na qual predomina a falta de vínculo empregatício, como faxineiras, mecânicos, pedreiros, serventes e vendedores ambulantes, por exemplo. E 141 mil (9,3%) são empregados domésticos, atividade que, por herança colonial, não costuma ser formalizada. Na ponta do lápis, a informalidade abrange cerca de 754 mil trabalhadores, o equivalente a 49,8% dos ocupados.
Por opção, como é o caso de João Paulo – que largou o emprego com carteira para ganhar mais e fazer seus horários. Ou por necessidade, como centenas de pessoas, como a diarista Francisca Nascimento, que não encontram emprego em outro ramo ainda por não atenderem às qualificações exigidas. O fato é que a informalidade continua elevada. De acordo com Erle Mesquita, coordenador de Estudos e Análise de Mercado do IDT, um levantamento de 2007 mostrava que 44% dos informais na Capital estavam na faixa etária a partir de 40 anos.
“A maioria dos empregos gerados hoje, com carteira, são para os trabalhadores mais jovens”, assinala Mesquita, para quem a trajetória da informalidade se mantém, embora os dados do estudo sejam de 2007. “São pessoas que chefiam a família, não conseguem retornar ao mercado formal e ingressaram no informal”, diz.
Perfil
Mesquita acrescenta, ainda, que o perfil o trabalhador informal, à época, era de pessoas a partir de 40 anos, a maioria mulheres e com apenas o ensino fundamental. “Mais da metade das pessoas que estão na informalidade são mulheres, seja para constituir sua própria autonomia ou para ajudar financeiramente a família. Condição que se inverteu porque, em 2000, os homens eram a maioria dos informais em Fortaleza”, revela.
Entre o perfil de ocupação dos informais na Capital estão as atividades mais clássicas, como costureira – que trabalham em facções -, vendedor ambulante, doméstica, pedreiro e servente, manicure e cabeleireiro, lavadeiras, mecânico e trabalhadores domésticos.
“Mais de 90% das trabalhadoras domésticas estão no setor informal. Além do lado cultural, porque a gente sabe que existe um ranço colonial com este tipo de profissional, há a dificuldade de fiscalização. Se já é difícil fiscalizar os estabelecimentos, imagine fiscalizar vínculos empregatícios em 120 mil lares fortalezenses?”, comenta.
Vantagens
Trabalhar sem vínculo empregatício tem lá suas vantagens e, também, desvantagens. A reportagem coletou depoimentos de quatro profissionais de áreas distintas, que se dizem felizes com o que fazem, com o intuito de descobri-las. Contudo, em meio à determinação desses trabalhadores em superar obstáculos, foi revelado muito mais do que se esperava de uma simples conversa. Em cada um deles, além da garra, há o desejo de melhorar a vida, seja por meio de um bom trabalho formal ou pelo empreendedorismo, um sonho comum capaz de se tornar real.
A esperança motiva o lavador de carros da Barra do Ceará, que começou a conquistar seus primeiros trocados aos 10 anos de idade. De tão pequeno que era, precisava de um banquinho para alcançar a parte de cima dos veículos. Há também a valentia de um escritor que, como se não bastasse o pouco interesse da nossa sociedade pela literatura, trabalha sozinho durante o processo de publicação de seus livros e utiliza a internet como principal veículo de comercialização. Aliando bom humor e trabalho, o irreverente locutor publicitário que, através de repentes e paródias improvisadas, utiliza um carro de som para divulgar os produtos de seus clientes e, representando a figura feminina, a perseverança da cozinheira que não se arrepende de ter largado um emprego formal para ser dona do próprio carrinho de lanches.
RENDA MAIOR
Mesmo sem direitos, salário compensa
O jovem João Paulo Alves Maia não teve medo de se arriscar no mercado informal para fazer valer sua vontade de trabalhar sem patrão e ganhar mais do que no emprego com carteira. “Saí da empresa porque não estava vendo necessidade de trabalhar na formalidade. Ganhava só um salário mínimo”, conta. Hoje, trabalha com venda e montagem de equipamentos de som e acessórios, no Montese.
Fazendo o próprio expediente e com clientela em fase de crescimento, ele diz que chega a “fazer até quatro salários por mês”. “Sempre dá mais do que o mínimo. Por isso, não me arrependo”, comenta, acrescentando reconhecer que fica sem alguns direitos garantidos pela carteira assinada, como férias, 13º salário e recolhimento para a Previdência. “Na área em que trabalho, há um crescimento da demanda justamente nos meses de dezembro até fevereiro ou março, dependendo do mês em que cai o Carnaval”, conta. Assim, argumenta ele, neste período, aproveita para faturar o 13º, 14º e até 15º salário. (SC)
SAMIRA DE CASTRO/ILO SANTIAGO JR.
REPÓRTER/ ESPECIAL PARA ECONOMIA
Fonte Diário do Nordeste