Abandono
Em 1990, população da área era de 30.679 moradores. No Censo de 2000, esse número foi reduzido para 24.775
Longe do glamour que ostentou durante a primeira metade do século passado, o Centro de Fortaleza vive hoje uma situação de contrastes. Ao mesmo tempo que possui ainda um movimento pulsante, acompanha ano a ano a redução no seu número de moradores. De acordo com diagnóstico realizado no ano passado, pela Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (Habitafor) em parceria com a Secretaria Executiva do Centro (Sercefor), atualmente, o Centro possui 670 imóveis vazios ou subutilizados.
Destes, 72 prédios apresentam real potencial de moradia. No entanto, depois de uma avaliação rigorosa que analisou déficit de tributos e condições estruturais dos prédios, os dois órgãos detectaram que apenas 11 imóveis poderiam ser ocupados imediatamente.
Avaliação
Segundo a assessoria de imprensa da Habitafor, os prédios estão sendo avaliados pela Caixa Econômica Federal, e somente depois desse estudo, será publicado um edital de licitação para reforma e ocupação dos imóveis. O projeto faz parte do Plano Habitacional para Reabilitação do Centro de Fortaleza, que visa à requalificação do Centro da Capital e a diminuição do déficit habitacional.
O plano será debatido hoje na Câmara Municipal de Fortaleza por entidades ligadas aos movimentos sociais, ambientais e de moradia, além de estudiosos no assunto.
Excelsior Hotel, Rua Guilherme Rocha,456; Hotel Savannah, na Rua Major Facundo, 20; Prédio do Banespa, Rua Major Facundo,207; Edifício São Luiz, na Praça do Ferreira; prédio da Previdência Social, na Rua General Bezerril, 670. Esses são alguns dos mais de 600 imóveis vazios ou subutilizados localizados no Centro. Muitos deles já foram referência na cidade, tanto arquitetônica como histórica.
Esvaziamento
Cartões-postais que ficaram amarelados com o tempo e não foram restaurados. Para se ter uma ideia, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na década de 1990 o bairro contava com uma população de 30.679 moradores. Já o Censo de 2000, detectou que o número foi reduzido para 24.775. Os dados que revelam uma queda significativa de habitação no bairro.
Lugar que já foi palco econômico e social da cidade. Bairro considerado histórico e que faz parte da vida e das lembranças de milhares de moradores. Assim é o Centro para o dentista aposentado Aloísio Gadelha, 88 anos. Nascido no bairro, e morador da rua Princesa Isabel nº 112, ele ainda se lembra do período em que se encontrava com os amigos na Praça do Ferreira, tomava um cafezinho e “flertava” com as belas moças.
Mesmo com a memória falha e com dificuldade de andar, ele fala da época em que o Centro era um dos melhores lugares para morar. Hoje, entristecido ele relembra dos vizinhos que já se foram e dos que optaram mudar de endereço, entretanto, deixa claro que ali é o seu lar.
Emocionando o aposentado comenta que já recebeu vários convites para vender a casa e que o próprio filho mais velho ofereceu um apartamento na Praia do Futuro para ele morar, convites que fez questão de recusar. “Apesar do barulho e do comércio esse lugar é a minha vida, se um dia eu tiver que sair daqui eu morro”, ressalta.
Contudo, nem todos pensam como ele. Durante visita ao bairro a reportagem identificou vários imóveis com placas de vende-se, mostrando assim o desinteresse pela moradia no bairro. Um fato confirmado pela servidora pública Fátima Martins, que mora no Centro há 22 anos.
Segundo ela, apesar do bairro ser bem localizado, falta muita coisa para tornar-se atrativo. “Aqui falta segurança, há muito barulho, desordem, não me sinto a vontade, não é mais como no tempo dos meus pais”, diz.
Ainda de acordo com ela, dezenas de vizinhos já venderam suas casas é o que certamente ela também irá fazer até o próximo ano Fátima pretende mudar de endereço e ir para um bairro mais calmo.
AUDIÊNCIA PÚBLICA
Investir na requalificação
Isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) enquanto durar a construção ou reforma dos imóveis localizados no Centro de Fortaleza é uma das formas de incentivar a iniciativa privada a investir no projeto de requalificação e habitação popular do bairro. Essa é uma das questões a serem debatidas durante a audiência pública na Câmara Municipal.
O evento ocorre hoje, no auditório Vereador Ademar Arruda, a partir das 14h30, respeitando requerimento do vereador Adelmo Martins (PR).
Segundo o parlamentar, o resgate do Centro da cidade, bem como novos usos para os locais quase abandonados, caminham devagar. O esforço feito para requalificar o bairro ainda é pontual, diz ele, e a audiência pública pretende provocar os vários segmentos envolvidos no sentido de acelerar o processo.
O vereador Adelmo Martins ressalta que o projeto, iniciado em 2007, visa à requalificação do Centro da Capital e a diminuição do déficit habitacional. O projeto conta com recursos do “Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais” da Secretaria de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, e divide a área em três setores, que poderão beneficiar famílias do Poço da Draga e Moura Brasil, além de ligar o Centro à orla marítima.
O relatório da Habitafor e da Sercefor sobre o Centro aponta 670 imóveis desocupados ou subutilizados, sendo que um terço tem potencial para habitação. Outro dado evidenciado no estudo é a geração de emprego e renda no bairro, que é responsável por 20% dos empregos da Capital cearense, contando com cerca de 68 mil postos formais de trabalho.
EMPOBRECIMENTO
Falta de prioridade ajuda no esvaziamento da área
A avaliação é da economista e doutora em Planejamento Urbano e Regional, Cleide Bernal. Enquanto a Aldeota mantém 61% das suas salas ocupadas, o Centro possui apenas 29% ocupadas e 71% ociosas. Para a professora, a requalificação do Centro de Fortaleza, que vem sendo implementada em doses homeopáticas pela administração municipal desde 2004, pode ser uma oportunidade para ampliar o acesso à moradia ao trabalhador que não tem acesso ao mercado formal de imóveis.
No entanto, alerta, a regulação entre salário e preço da moradia é uma questão mais abrangente, social, política e econômica. Os programas habitacionais em áreas centrais exigem linhas específicas de financiamentos, assim como legislação urbanística também específica. “O governo municipal tem pouca influência na regulação do financiamento imobiliário, mas estas leis já existem e o papel das lideranças municipais é na regulação fundiária e coordenação da política imobiliária urbana”.
O Centro, analisa, é um lugar privilegiado para se morar, em termos de infraestrutura de energia elétrica, água e saneamento, telefonia e transporte, além da oferta de mercadorias a preços mais baixos que qualquer outro bairro.
“Mas o Centro histórico sofreu um processo de empobrecimento e crescentes desigualdades como outras grandes cidades que se abriram para a economia mundial na corrida pela competitividade”.
A área, aponta a professora, perdeu para a Aldeota atividades importantes geradoras de renda, bem como um contingente populacional substancioso.
No entanto, examina Cleide Bernal, a pobreza do Centro encontra-se nas pessoas que moram nas ruas e praças, nos vendedores ambulantes e biscateiros, na mendicância, na prostituição e marginalidade, além da falta de segurança pública.
São as alternativas da população pobre e miserável de toda a cidade que aí se expõe de forma desumana para que o poder público olhe para elas, ressalta a economista.
MELHORIAS
Prefeitura diz que está fazendo ações na área
Segundo a titular da Secretaria Executiva do Centro (Sercefor), Luiza Perdigão, as ações difusas que são de responsabilidade da Prefeitura para a melhoria do Centro estão sendo realizadas, como reforma de calçadas, reordenamento de espaços públicos, reordenamento do comércio, limpeza urbana, iluminação e segurança. No entanto, para reverter a situação atual do bairro e efetivar o Plano Habitacional para Reabilitação, falta envolvimento da sociedade civil e do Poder Legislativo.
“Os vereadores devem legislar pela implementação de institutos jurídicos e regulamentação do Estatuto da Cidade, só assim podemos reverter o déficit habitacional do Centro”, diz.
Luiza explica que a lei 10. 257 do Estatuto da Cidade, destaca diversos instrumentos da política urbana que seriam de grande valor se utilizados pelo Município. Ela ainda ressalta que se a lei fosse de fato seguida os proprietário de imóveis privados seriam forçados a cumprir o Plano de Habitação do Centro. “Perde todo mundo. A cidade, os moradores, que deixam de morar em uma área privilegiada e os turista”, conclui.
LÊDA GONÇALVES E KARLA CAMILA
REPÓRTER E ESPECIAL PARA CIDADE
ENTREVISTA
“Não se pode pensar a cidade de modo pontual e como ações isoladas”
Como o Sr. avalia o diagnóstico sobre o Centro de Fortaleza?
Acho que esse trabalho foi importante para se tomar pé da situação do Centro com relação aos imóveis ocupados ou desocupados, mas, principalmente, para saber, com exatidão, os que efetivamente poderão ser utilizados para a moradia. É preciso entender que nem todos as edificações servem para esse fim. Muitos não possuem infraestrutura. Além do mais, o Centro deve de ser pensado como uma centralidade a ser acentuada e a função habitar é fundamental dentro de todo esse processo. O Centro de Fortaleza, como isso, pode voltar a ter vida durante o dia e à noite também.
O que causou o esvaziamento do Centro?
O surgimento das periferias caracteriza esse período de descongestão dos centros históricos em todo o mundo. A especulação imobiliária começa a perceber que terrenos afastados dos núcleos centrais têm custos de aquisições menores, conferindo um ganho maior para o investidor quando da venda dos empreendimentos. O transporte ferroviário, que serviu para trazer o algodão do interior do Estado do Ceará para o porto de Fortaleza, se apresentava como excelente transporte de massa e os grandes conjuntos habitacionais passaram a ser alinhados nas bordas das vias férreas.
Incentivar apenas moradias é saída para o Centro?
Não se pode pensar a cidade de modo pontual e com ações isoladas. O planejamento funciona muito mais como uma grande teia em que o vibrar de um nó repercute em significativa parte da rede. A pessoa quer morar perto da escola dos filhos, da faculdade, de restaurantes, lazer e outros serviços. Portanto, o projeto de requalificação do Centro de fortaleza deve passar por uma série de ações para fortalecer a unidade vizinhança.
Euler Sobreira Muniz
Arquiteto e urbanista
Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1003467