A REVITALIZAÇÃO AINDA É POSSÍVEL?
A titular da Sercefor, Luíza Perdigão, informa que serão criados cinco camelódromos em prédios abandonados
Quem sonha, debate e defende o Centro de Fortaleza revitalizado, com vida pulsante nas 24 horas do dia, ainda terá um longo caminho pela frente. As intervenções, tão desejadas, para tornar o bairro um local para morar, trabalhar ou se divertir não sairão tão cedo. Não é que faltem sugestões, alternativas ou projeto. Este até que está pronto. No entanto, reconhece a titular da Secretaria Executiva Regional do Centro (Sercefor), Luíza Perdigão, as ações práticas serão deixadas para a próxima administração.
Por enquanto, a cidade continuará com seu bairro mais tradicional e importante, como está: com a invasão dos camelôs para tudo que é lado – são 13 mil na contagem da Prefeitura – a poluição visual, prédios abandonados e sem serventia, sujeira, espaços públicos destruídos e entregues aos moradores de rua, insegurança e muito prejuízo para todos os segmentos.
Luíza também avisa: mesmo no projeto de revitalização tão sonhado, a cidade terá que aprender a conviver com o comércio ambulante. “Eles são necessários para o Centro e vão continuar aqui. Não existe a menor possibilidade de retirá-los e sim reordená-los em cinco camelódromos”, informa.
Os locais só vão abrigar 2,6 mil informais que atuam no quadrilátero das avenidas Duque de Caxias, Imperador, ruas Castro e Silva e Sena Madureira. Os da José Avelino nem sonho de remoção existe. “A ideia é relocar esse pessoal em imóveis abandonados ou vazios. Não informamos quais são para evitarmos a especulação imobiliária”, diz.
Outra certeza: o modelo efetivado com os ambulantes do Beco da Poeira não deu certo. “Não adianta colocarmos todos em prédios no primeiro ou segundo andar, por exemplo. Isso a gente sabe que fracassa”, aponta.
Os novos camelódromos, adianta a secretária, serão tipo galerias, com passagens abertas de um rua para outra e com os boxes dos ambulantes no térreo. “Em cima, serão para banheiros, lanchonetes, restaurantes e até lojas de marcas famosas, que atraem clientes diversos”. Além disso, a criação de edifícios-garagem com a destinação do térreo para o comércio ambulante é uma das opções em estudo. Nesse caso, a proposta é ofertar três mil vagas para camelôs e mais sete mil para veículos. “Cada permissionário pagará R$ 150 mensal. Esses locais também podem ser próximos de estacionamentos e paradas de ônibus”, frisa.
Depois da tarefa cumprida e para evitar que outros ocupem as mesmas ruas e calçadas, Luíza, aí sim, defende uma fiscalização repressiva. “O que não podemos é fazer isso com os que aí estão há anos e que dependem disso para sobreviver”.
Sem surpresa
As afirmações da secretária não surpreendem integrantes do Fórum Viva Centro. Um deles, o vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Riamburgo Ximenes, avalia que o Centro só terá solução com ação efetiva. “O Centro hoje é um gigante atropelado, sendo uma batalha para perdedores”, diz, explicando que todos sofrem com a atual situação. “Os ambulantes pela concorrência predatória, os lojistas que pagam pesados impostos, a população, a cidade, enfim, todos são prejudicados”.
Para especialistas, não é que a Sercefor não tenha se esforçado na tentativa de tornar o Centro um local menos degradado. A secretária tem tido uma atuação como pode. Recolhido lixo, tentando diálogo com os camelôs, retirando alguns do entorno de imóveis considerados patrimônios históricos. “Mas, são ações tímidas, sem força. É como cego em tiroteio”, comparam.
Para o urbanista Marcos Lima, isso ocorre porque o Município tem desprezado as soluções técnicas, optando por ações pontuais e centralizadas. Para ter resultado prático e rápido, ele defende que as propostas contemplem as ideias de instituições e promovam ações que congreguem diversos setores. “As propostas, até agora, foram muito ingênuas. É preciso uma visão macro do problema para integrar várias ações e políticas permanentes que promovam o uso do espaço. Falta parceria com as entidades, e hoje as ações estão muito isoladas no Poder Municipal, longe do resto”, avalia.
Transição
A economista e doutora em Planejamento Urbano, Cleide Bernal, ressalta que a questão que se coloca é: como fazer a transição entre a situação existente e uma situação planejada? Como realizar o ordenamento e planejamento do território de modo sustentável? A crise urbana, frisa a estudiosa, tem exigido dos governantes uma política orientadora e coordenadora de esforços, planos, ações e investimentos nos vários níveis de governo, e, também, do Legislativo, do Judiciário, do setor privado e da sociedade civil.
Outro que faz parte dos debates do Fórum Viva o Centro, o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea/CE), Victor Frota, chama a atenção para outra: a gravidade da poluição visual no bairro. Para ele, a cidade precisa focar nesse sentido, pois não se pode pensar a revitalização do Centro sem passar por isso. “O retorno de órgãos e entidades como o próprio Crea para o Centro é prova de que acreditamos na mudança de situação”, diz.
A arquiteta e urbanista, Mariana Reynaldo, concorda com Victor Frota, e ressalta que o retorno de alguns órgãos públicos, a promoção de eventos culturais e a reforma de praças têm contribuído para requalificar o Centro, mas atenta que, isoladas, essas ações não resolvem o problema. No seu entendimento, a “monofuncionalidade comercial” intensifica os problemas de desordenamento urbano, sujeira e sensação de insegurança.
Por isso, ela aponta que a solução está na utilização contínua do espaço em todos os horários, salientando que o Plano Habitacional do Centro é importante nesse sentido, mas deve ser implantado de forma integrada com outras políticas públicas. “A recuperação da moradia do Centro é uma das alavancas importantes, mas não é a única. Apesar da dificuldade de sua implantação, é algo que não se deve abandonar pelos futuros gestores”.
O plano de habitação também é visto como essencial para o bairro. Conforme o Professor Euler Muniz, é necessário entender que a cidade é composta por seres humanos, bastante complexos em suas demandas pessoais e nas relações com os demais. “Não se pode pensar a cidade de modo pontual e com ações isoladas”, analisa. O planejamento funciona, indica ele, muito mais como uma grande teia em que “o vibrar de um nó repercute em significativa parte da rede”. O Centro, defende, tem de ser pensado como uma centralidade a ser acentuada e a função habitar é fundamental no processo.
Na avaliação do sociólogo e historiador, Eduardo Lúcio Amaral, é preciso, também, disciplina urbana. É dever do poder público estabelecer regras mínimas para o convívio social. Estas regras, observa, obviamente, não podem incidir somente sobre os ambulantes, mas devem ser impessoais, de maneira que não haja privilégio ou discriminação. “Poucos estão isentos de responsabilidade no processo de degradação do Centro”, assegura. Para ele, não é somente o ambulante quem produz a poluição visual, lixo ou o caos.
O Centro, analisa, é um lugar privilegiado para se morar, em termos de infraestrutura de energia elétrica, água e saneamento, telefonia e transporte, além da oferta de mercadorias a preços mais baixos que qualquer outro bairro. “O certo é que precisamos correr contra o tempo para reverter o atual cenário”.
Plano Diretor Participativo indica que área é zona de ocupação prioritária
“Qual a prioridade do Poder Público com relação ao Centro?”, questiona o assessor do Cearah Periferia, Felipe Silveira. Segundo ele, o Plano Diretor Participativo de Fortaleza insere o Centro, em relação às macrozonas de ocupação urbana, como Zona de Ocupação Preferencial 1.
Com isso, explica, o plano tem como prerrogativas, entre outras, promover programas e projetos de habitação de interesse social, já que a área é caracterizada pela disponibilidade de infraestrutura, oferta de emprego e renda, serviços e uma forte natureza cultural (seja pela presença do patrimônio histórico, seja pelas atrações que ainda resistem em se realizar por ali) e imóveis não utilizados e subutilizados”, diz. Foram mapeados 660 prédios vazios e/ou subutilizados e divulgados apenas 36.
Ao invés de priorizar as edificações identificadas para a moradia, aponta Silveira, a Prefeitura investiu na criação do Polo Tecnológico de Fortaleza – em que no Centro se associa às Zonas Especiais de Desenvolvimento Urbanístico e Socioeconômico (Zedus).
Isso aconteceu, afirma ele, exatamente no perímetro destacado em relação aos imóveis vazios e/ou subutilizados: ruas 24 de Maio, Pedro I, 25 de Março, Doutor João Moreira/Rufino de Alencar, General Sampaio, Senador Jaguaribe, um pouco além da Avenida Alberto Nepomuceno e Adolfo Caminha, ofertando incentivos fiscais e confrontando-se com a questão da moradia de interesse social.
“É necessário colocar, urgentemente, em pauta o controle social sobre esses imóveis vazios e/ou subutilizados, efetivar o direito à cidade e à moradia digna e ter o déficit habitacional reduzido como meta para essas ações”, defende Silveira.
A questão do Centro não é não é uma especificidade local, diz, e sim de outras cidades brasileiras que debatem sobre projetos e ações de reabilitação/requalificação/reordenamento como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Belém e Teresina.
Bairro já foi principal point cultural da cidade
Intensa vida econômica, social e cultural nas 24 horas do dia. Era assim o Centro na memória e nos álbuns de fotografias de D. Guilhermina Gondim. Nascida e criada no bairro e moradora da casa centenária de nº 1406, da Rua General Sampaio, ela viu o tempo passar e acompanhou todas as mudanças, perdas e retrocessos do local.
Enquanto mostra a casa – que pode ser tombada pelo Patrimônio Público Municipal – Guilhermina se deixa levar pelas recordações e afirma que “nos anos 50 e 60 vivemos aqui um apogeu. Hoje, nem saio mais com medo dos assaltos e do trânsito que é intenso na rua”, frisa.
Cantora de rádio na década de 60, ela conta que formou com as irmãs Maria Suzana e Maria Margarida um trio que fez sucesso na época. “Tudo era mais fácil. Nossa casa foi ponto da encontros culturais, pois minha mãe era pianista e adorava reunir a família. Os vizinhos e amigos se achegavam e ali ficávamos horas e horas”, relembra.
O terreno onde a casa está situada serve, atualmente, como estacionamento. D. Guilhermina, que vive junto que outra irmã, Maria Teresa, conta que um dos netos administra o ponto. “E por enquanto, existe questão de herança e ainda estudamos a possibilidade de tombamento do bem que representa nossa vida”, explica ela.
Sem cansar de mostrar fotos e os cômodos, ela diz, sorrindo, que seu único passatempo é ficar na janela observando a “confusão” da cidade. “Antes, a rua era toda ladeada por benjamins e casarios. Hoje, é tomada por estacionamentos e totalmente descaracterizada, Seria bom organizar melhor o trânsito, botar mais iluminação e seguranças. Assim, talvez, o Centro volte a ser um pouquinho do que já foi: uma ebulição cultural e de lazer”.
LÊDA GONÇALVES
REPÓRTER
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Centro: um descaso histórico
Antes, epicentro da urbe, o Centro de Fortaleza encontra-se, hoje, em lamentável estado de abandono. Desde meados de 1860 que Fortaleza se beneficiou do dinheiro gerado pelo comércio do algodão. A Capital foi, paulatinamente, adquirindo maior importância frente a outras cidades que foram protagonistas de ciclos econômicos, como Icó, Sobral e Aracati. O acúmulo de capital gerado pelo algodão trouxe uma maior possibilidade, por parte dos poderes públicos, de empreenderem uma série de obras que trariam ares mais civilizados à pequena Capital. Dessa forma, em 1875, ficou Adolfo Hebster responsável por traçar um plano urbano para a emergente cidade. Desse plano nasceram as avenidas Duque de Caxias, Dom Manuel e Imperador. O Passeio Público (antiga Praça dos Mártires), a Praça José de Alencar e a Praça do Ferreira, passaram por um processo de embelezamento calcado nos moldes da grande metrópole inspiradora da época: Paris. Toda a vida mundana, intelectual e comercial da cidade desfilava pelo Centro e arredores.
Contudo, com o passar do tempo e o advento das grandes secas, como as de 1877, 1915 e 1932; a cidade foi inchando de forma desordenada, acabando por criar um cinturão de miséria em volta do quadrilátero civilizado do Centro. As elites políticas locais foram ineficazes em estabelecer políticas para sanar tais problemas. Sempre foi a tônica de nossos governantes não pensar a cidade como um todo e não continuar obras e políticas bem sucedidas dos antecessores.
Desse modo, a cidade cresceu desordenada, passando por um lento processo de saneamento e de sanitarização, só concluído nos anos 20, depois de décadas de obras. A forte vocação comercial do bairro foi, aos poucos, expulsando as famílias abastadas de seu entorno (surgem os bairros de Jacarecanga e Aldeota). Deu-se então, a definitiva divisão da cidade em dois polos: o rico e o pobre.
Com o passar dos anos e com o crescimento acelerado e desigual dos bairros da cidade, o Centro foi perdendo importância. Falar do bairro hoje em dia é falar de Fortaleza como um todo. O mal crônico da falta de planejamento perpassa os anos e chega até nossos dias. Não há fiscalização nem regulamentação rigorosa e efetiva dos espaços da cidade. Por um lado, os mais carentes são sempre desculpados pela conjuntura da pobreza, por outro, os que detêm o capital fazem o que querem, sabiamente driblando os meandros do poder.
Enfim, somos reféns de um aglomerado urbano caótico, onde não há uma priorização do transporte público, nem do resgate da cidade pelos habitantes, nem da saúde, nem da educação, nem da segurança. A decadência do Centro apenas reflete uma conjuntura maior, de descaso e falta de visão históricas, que infelizmente não serão sanados por obras pontuais por conta da próxima Copa do Mundo de futebol, em 2014.
Eustáquio Alvarenga Júnior
Advogado e historiador
Fonte Diário do Nordeste