POUCOS PROJETOS
Burocracia e falta de informação separam eleitores do Parlamento e inviabilizam projetos de iniciativa popular
Mesmo previstos na Constituição Federal, os projetos de lei de iniciativa popular ainda respondem por uma parcela ínfima das matérias apresentadas nas Casas Legislativas. A falta de informação dos cidadãos alia-se à burocracia exigida no processo. Em regra geral, essas proposições são subscritas por algum parlamentar e enfrentam o trâmite padrão, diante da inviabilidade de se constatar se a quantidade de assinaturas corresponde ao percentual exigido.
Parlamentares cearenses apontam avanços adotados nas câmaras e assembleias nos últimos anos para facilitar o acesso da população ao legislativo, mas reconhecem que a participação efetiva do eleitorado ainda é muito tímida. Para vereadores e deputados, a internet deve ser um dos aliados na aproximação entre o Parlamento e a sociedade.
Para apresentar projeto de iniciativa popular, é necessário coletar assinaturas de, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído em, pelo menos, cinco estados do País, com porcentagem mínima de 0,3% de eleitores de cada estado. Para se ter uma ideia da distância que separa a população do Parlamento, apenas quatro projetos de iniciativa popular viraram lei na Câmara dos Deputados.
Na prática, fica inviável contabilizar as assinaturas exigidas para se aprovar um projeto dessa natureza. O último, de 2010, é a conhecida Lei da Ficha Limpa, que altera casos de inelegibilidade e fortalece a moralidade no exercício do mandato.
Para encurtar o caminho, as Casas Legislativas adotam ações para incentivar a participação popular. A Comissão de Legislação Participativa, da Câmara Federal, recebe proposições de entidades e, caso sejam aprovadas pela Comissão, podem se tornar lei, seguindo o trâmite padrão da Casa. Inspirada na prática, a Câmara Municipal de Fortaleza criou a mesma comissão, que funcionará nesta legislatura.
Decreto
De acordo com o endereço eletrônico da Casa, apenas um projeto de decreto de iniciativa popular tramita na Câmara dos Vereadores, visando à revogação do decreto que cria o bairro Patrolino Ribeiro. Atualmente, o projeto está na Comissão de Legislação, Justiça e da Cidadania.
Fazendo um balanço da legislatura municipal nos últimos anos, o vereador João Alfredo (PSOL) reconhece que ainda é “tímida” a participação da sociedade na Câmara Municipal. Para o vereador, caberá à Comissão de Legislação Participativa promover campanhas orientando sobre proposição de leis e outros assuntos do exercício legislativo. “As redes sociais, se bem utilizadas, podem ter um papel importante de mobilização da sociedade”, aponta.
Compartilhada
Já a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará nunca aprovou um projeto de iniciativa popular, garante o chefe do Departamento Legislativo, Carlos Alberto Aragão. Ele explica que organizações sociais podem apresentar projetos de iniciativa compartilhada à Mesa Diretora, lembrando que muitas entidades apresentam emendas ao orçamento da Casa. Ele ressalta que, desde 2009, a Assembleia criou um sistema virtual de protocolo de requerimentos para abolir o uso de papel, mas admite que a população não conhece esses meios legais.
O deputado federal Antônio Bahlmann (PSB), coordenador da bancada do Ceará no Congresso Nacional, defende que a mobilização dos eleitores deve ser iniciada nos próprios municípios e admite que ainda é “sem total expressão” a interferência real do eleitorado no Parlamento. “Câmara e Senado ouvem os movimentos, mas, quando se fala em interesse nacional, é muito difícil conseguir mobilizar as pessoas para alterar alguns aspectos da Constituição ou aprovar matéria fruto de desejo da população”, expõe.
No último dia 8 de janeiro, a Mesa Diretora da Câmara Federal publicou ato para facilitar a subscrição eletrônica de proposições coletivas aos deputados, aceitando a utilização de meios tecnológicos previamente homologados, medida para reduzir a burocracia na Casa.
Falta iniciativa parlamentar
Apesar de admitirem que a burocracia motiva o desinteresse da população em propor e acompanhar o andamento de projetos de lei, cientistas políticos alertam para a falta de iniciativa dos próprios parlamentares em aproximar sociedade e Parlamento. Para os especialistas, não é conveniente aos vereadores e deputados democratizar instrumentos de participação popular nas Casas Legislativas.
O cientista político Francisco Moreira, professor da Universidade de Fortaleza, afirma que até existe um leque de meios legais de a sociedade chegar ao legislativo, mas, segundo ele, ainda faltam esclarecimentos didáticos. “A população acha que é tão distante de sua realidade que não utiliza (os instrumentos de participação)”, opina.
Para Francisco Moreira, junta-se à desinformação a acomodação dos parlamentares nas esferas municipal, estadual e federal. “Os próprios parlamentares não têm interesse real em utilizar alguns instrumentos que existem. O referendo é meio democrático, mas quase não se utiliza. Nem a população crê no legislativo nem o Parlamento tem interesse em divulgar”,diz.
O professor Rui Martinho, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, questiona a quantidade de assinaturas necessárias para apresentar um projeto de iniciativa popular à Câmara Federal; aproximadamente 1,5 milhão de eleitores precisam assinar. “O mínimo que se exige é grande e o modo como se apura a autenticidade das assinaturas é duvidoso”, resume.
Rui Martinho também diz acreditar que as leis ditas de iniciativa popular normalmente carregam um apelo emocional e são encampadas por grandes entidades ou grupos econômicos. “Fala-se muito dos escândalos que incentivaram a Lei da Ficha Limpa. Não foi tão popular, a iniciativa foi puxada por grandes grupos e atropelou alguns aspectos, como a soberania do eleitor”, pondera.
Mobilização
Na avaliação do professor Francisco Moreira, também cabe às organizações sociais e partidos políticos o incentivo à mobilização política. Ele lembra que, hoje, a participação em movimentos políticos é vista socialmente de maneira estigmatizada. “As pessoas repudiam a política como se não fosse um meio legítimo de participação”, diz.
Ele acredita que os partidos não estão conseguindo cumprir a função agregadora junto aos eleitores. “Na verdade, temos uma população muito desorganizada. Os partidos não agem organicamente junto à sociedade”.
Francisco Moreira destaca que deve-se empreender um trabalho conjunto entre os legisladores, as organizações sociais e os partidos políticos para reduzir o abismo que separa os representantes dos seus representados no Parlamento. “Muitas vezes, até a corrupção se dá por falta de informação. O legislativo poderia contribuir neste sentido”, pontua.
LORENA ALVES
REPÓRTER
Fonte Diário do Nordeste
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