MANIFESTAÇÃO
Expectativa é de que a circulação dos coletivos seja retomada aos poucos, já que ação não foi decisão da categoria
Com as paralisações nos terminais de ônibus, Fortaleza viveu, ontem, um dia atípico. A tentativa de assalto que resultou na morte do motorista Francisco Erivaldo Marinho e deixou o cobrador Francisco Valderir Carneiro ferido revoltou não só a categoria, que cruzou os braços durante o dia inteiro, mas toda a população. Além dos transtornos causados às pessoas que dependem do transporte coletivo – que tiveram dificuldades de se locomover para o trabalho e retornar para casa -, o fato chama a atenção para um problema que já vem afligindo a população há algum tempo: a insegurança.
Seja de carro, de ônibus ou a pé, o fato é que ninguém se sente seguro na cidade. Como se não bastasse a superlotação dos ônibus, com os recorrentes episódios de assaltos, usuários temem pela própria vida. “Não é a primeira vez que um caso desses acontece e nem será a última. Todo dia a criminalidade aumenta, e a Polícia não tem como estar presente em cada ônibus e cada esquina”, salienta Gilvan Melo, do Núcleo de Atuação Especial e Controle, Fiscalização e Acompanhamento de Políticas de Trânsito do Ministério Público do Estado (MPE).
O promotor de Justiça afirma que o governo precisa preparar melhor os policiais, pagar melhores salários e proporcionar uma assistência médica e social para que ele saia de casa com vontade de trabalhar, sabendo que terá apoio do Estado em caso de uma fatalidade. “Não queremos uma polícia caça-prêmio, mas uma polícia bem preparada, que confie nela própria e passe confiança à população”, destaca. Melo afirma que os motoristas e cobradores estão certos em protestar, só lamenta que a população seja a principal prejudicada.
Trânsito
Em decorrência da paralisação de ônibus, houve um incremento da frota de veículos, agravando ainda mais os congestionamentos. Leandro Rocha, chefe do Núcleo de Planejamento da AMC, informa que nos bairros Aldeota e Parangaba a situação ficou crítica, com o trânsito bastante lento. O gestor esclarece que em situações como a de ontem, de paralisação dos motoristas, a AMC coloca viaturas em rota nos principais corredores da cidade. O intuito é retirar qualquer tipo de interferência, como colisões e veículos estacionados em locais proibidos.
Vinte e dois coletivos foram depredados, ontem, por populares durante a paralisação no terminal de Messejana, segundo informações da coordenação da Perícia Criminal da Pefoce. Segundo a assessoria do Sindiônibus, ainda não foram computados os dados sobre os demais terminais.
Retorno
A circulação dos ônibus na Capital deve ser retomada aos poucos. Durante a madrugada de ontem, os Corujões já voltaram a operar. No entanto, conforme a assessoria do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário no Estado do Ceará (Sintro/CE), é possível que alguns motoristas ainda permaneçam inativos durante o dia de hoje, já que a paralisação de ontem foi motivada pela revolta dos motoristas contra o crime da última quarta-feira e não uma decisão deliberada pela categoria.
Pelo menos 70% da frota de ônibus de Fortaleza paralisaram as atividades, ontem, segundo informações da Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor). Como todos os terminais foram fechados por motoristas e cobradores, apenas os coletivos que não passam por eles continuaram circulando. Os ônibus que estavam parados nos terminais foram levados para a garagem. As paralisações começaram pela madrugada, motivadas por dois ataques aos trabalhadores em menos de 24 horas.
Anteriormente, os motoristas de ônibus haviam acertado, durante assembleia da categoria, que os veículos seriam recolhidos à garagem no momento em que houvesse mais ataques de violência contra os trabalhadores. O assunto poderá ser pautado amanhã durante assembleia da categoria para discutir a campanha salarial. A data da reunião, porém, já estava agendada antes do episódio de ontem.
O diretor do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Ceará (Sindiônibus), Mário Albuquerque, afirma que a entidade está fazendo possível para coibir assaltos e casos de violência nos coletivos. A médio prazo, afirma, a estratégia é diminuir a quantidade de dinheiro nos carros, tornando-os menos interessantes aos assaltantes.
“Seria interessante que todas as pessoas aderissem ao programa Bilhete Único. Basta colocar créditos”, esclarece. O diretor informa que toda a frota da Capital conta com câmeras. As imagens são repassadas para a Secretaria de Segurança Pública e Desenvolvimento Social (SSPDS), que toma algumas providências, a exemplo de abordagens em pontos considerados críticos. Ele afirma, ainda, que o que aconteceu com o motorista e o cobrador foi uma fatalidade. “A Polícia tem acompanhado o sistema e agido com rapidez. Mas a cidade é grande e nós temos linhas em toda a cidade, então é difícil assegurar a segurança de todos”.
Rodoviária
Além da paralisação nos terminais, a Rodoviária Engenheiro João Thomé foi fechada por uma hora ontem, por reivindicações pela campanha salarial. Os usuários não foram informados sobre o protesto e ficaram confusos. A dona de casa Cristiane Cunha iria pegar o ônibus de 8h30 para Acaraú com o marido e o filho de dez anos. Quase uma hora depois, ela não sabia nem a que hora iria viajar e nem o motivo da paralisação. “Tiveram várias informações desencontradas”.
Usuários e comércio sofrem prejuízos
A quantidade reduzida de ônibus circulando na Capital durante o dia de ontem não conseguiu atender a demanda dos usuários. Além dos transtornos causados às pessoas que precisavam se deslocar ao trabalho, comerciantes contabilizaram prejuízos por conta da paralisação.
As vans do transporte complementar absorveram parte da demanda e estavam ainda mais cheias que o habitual. “Estou há meia hora esperando um transporte. Deveria ter chegado no serviço há dez minutos”, reclamou a operadora de caixa Camila Barros, que trabalha a três quilômetros de casa.
Outra alternativa para quem não podia se atrasar era pegar um táxi ou mototáxi, porém a alta demanda acabou inflacionando o preço do serviço. Os valores cobrados chegaram a aumentar 140%. É o caso de quem precisou pegar condução do Terminal do Siqueira até a Praça Portugal. Enquanto o preço padrão cobrado por mototaxistas é de R$ 25, ontem o serviço saía por até R$ 60.
Já os passageiros que precisavam se deslocar entre o Centro e Maracanaú tiveram a opção de utilizar a Linha Sul do Metrô de Fortaleza. Porém, quem resolveu utilizar o transporte gratuito, incluindo idosos e pessoas com crianças de colo, teve que suportar a superlotação.
A estudante Elina Mara saiu de Maracanaú, onde vive, às 6h40 de ontem e chegou no local onde estuda por volta das 8h. “Para voltar, o metrô vai ser a minha salvação”, comemora. Contudo, a alternativa de deslocamento só funciona até o meio-dia e não teve prorrogação com a falta de ônibus.
Comércio
A dificuldade de deslocamento na Capital também afetou o comércio. Em muitos estabelecimentos, funcionários chegaram atrasados e os clientes nem mesmo apareceram. Para os lojistas, a redução no movimento chegou a 40%. Segundo o presidente da Associação dos Empresários do Centro de Fortaleza (Ascefort), Maia Júnior, muitos comerciantes reclamaram dos prejuízos. “Por dia, 350 mil pessoas circulam no Centro. Mas hoje, está uma lástima”, afirmou.
Segundo ele, há 68.490 empregos diretos no bairro e, apesar dos atrasos, os trabalhadores não deixaram de ir trabalhar. “O funcionário vem. Geralmente, o trabalhador é muito fiel. Chega atrasado, mas não falta. E nessa situação, qualquer atraso é compreensível e o patrão tem que estar disposto até a pagar um táxi se for preciso. Os clientes é que não vêm”, explicou.
Maia Júnior ressaltou que os comerciantes se solidarizam aos motoristas e cobradores afetados com a insegurança. “A gente sofre, mas tem que entender a situação”, asseverou. O apoio também partiu dos trabalhadores afetados pela paralisação. “A situação não está fácil para eles e nem para a gente”, disse a vendedora Gildete Nascimento.
Escolas públicas ou particulares da Capital também tiveram dificuldades para manter as atividades ontem. Muitos alunos faltaram, professores se atrasaram e deixaram muitos pais preocupados com o destino dos filhos.
No Colégio Estadual General Eudoro Correia, apenas dois professores faltaram. Contudo, muitos estudantes deixaram de comparecer às aulas. Segundo a diretora Rita Cirilo, em algumas turmas de 35 a 40 alunos, havia apenas dez presentes ontem. “Nós estamos liberando um pouco mais cedo para os alunos poderem ir para casa. Com relação aos professores, a gente falou para eles pegarem um táxi ou mototáxi, mas nem isso tinha”, afirmou.
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Fonte Diário do Nordeste .