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Centro de Fortaleza tem uma história, mas não é “histórico” = Diário do Nordeste

By 14/10/2013No Comments

DESAFIOS DA REVITALIZAÇÃO
Apesar da média diária de 350 mil usuários, a região sofre com queda de moradores, um déficit de 2.185 casas

Onde está a memória do Centro? Nas ruas, pessoas, hábitos e também na arquitetura, em cada casarão e esquina. Que a história de Fortaleza passa pela região isso é claro: ali brota historicidade. Entretanto, segundo Alexandre Jacó, arquiteto e superintendente substituto do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Capital, diferentemente de outras nordestinas, não possui formalmente um sítio histórico tombado, não há delimitação, nem roteiro.

Paisagem constante é a de casarões e fachadas abandonados FOTO: ERIKA FONSECA
Paisagem constante é a de casarões e fachadas abandonados FOTO: ERIKA FONSECA

“A Capital não tem um conjunto de bens tombados. Quando o Iphan passou a atuar no Ceará, o processo de descaracterização já era muito acelerado. E, hoje, o que temos são bens protegidos isoladamente. Isso dificulta uma ação pública de investimento”.

Mas, com esse processo de degradação patrimonial e de avanço do desenvolvimento, ainda resta algum resquício de conjunto em Fortaleza? Há sim. E Alexandre Jucá cita como exemplo de um possível sítio histórico, o corredor da João Moreira com a Estação João Felipe, a antiga Cadeia Pública, Santa Casa de Misericórdia e o Passeio Público.

No acervo do Instituto, estão tombados, no Centro, o Theatro José de Alencar, Passeio Público, Museu do Ceará e das Secas e a Fortaleza Nossa Senhora da Assunção. Já a Prefeitura fez o tombamento do Teatro São José, Parque da Liberdade, Palácio João Brígido, Bosque do Pajeú, Escola Jesus Maria José, Casa do Barão de Camocim, Mercado dos Pinhões, Pavimentação da Rua José Avelino, Farmácia Oswaldo Cruz e também da Santa Casa.

“O processo de degradação na região não para, é constante e a gente continua se surpreendendo em ver conjuntos arquitetônicos se perdendo e que poderiam estar sendo incorporados à paisagem. A utilização das ruas é intensa, mas falta harmonia nas dinâmicas e o antigo vai morrendo”.

Para o Iphan, a proteção patrimonial é estratégica para a identidade local, para a reocupação do Centro como um todo. “Um exemplo evidente disso é o Passeio Público e como ele tem garantido uma mudança de uso e comportamento, uma outra sociabilidade”, explica Jucá.

E na lista de problemas, a pauta vai além do tombamento, do reordenamento, da ocupação das calçadas e do comércio informal: um bairro que vai nascendo de dia e morrendo à noite. Mas qual é futuro da região além da potencialidade comercial? A costureira Lúcia Freitas, moradora da região há 20 anos, responde.

“A vida do Centro são as histórias de quem vive nele e isso não acaba”. Para ela, a demanda da revitalização é, sim, necessária, mas se resolve com a ocupação, com gente morando, habitando.

Lúcia e outros tantos são “vida” no Centro, não são passado, e, sim, presente. Mas, são poucos. Vivendo em lindo casarão na Rua Tereza Cristina, percebe o aumento dos vazios, solidão, principalmente à noite, quando as lojas fecham suas portas e outro público -não comerciante – toma conta dos ambientes.

E o Centro vem perdendo, conforme dados do Censo Demográfico, proporcionalmente sua população moradora em comparação com o avanço populacional da cidade, mesmo com o fôlego da última década no crescimento de habitantes da cidade e do bairro. E esse movimento não é novo: entre os anos de 1980 e 1991, por exemplo, houve uma queda de 20,4% na população (caindo de 38.545 habitantes para 30.679), isso vai se seguindo na década posterior, queda de 10,08% em 1996, de 10,18% em 2000 e aumento de 13,63 quando comparado 2000 (24.775) e 2010 (28.154).

Entretanto, não necessariamente há um processo de retomada com o aumento de população residente, pois, considerando a relatividade dos números, proporcionalidade em relação à cidade é ainda reduzida. Prova disso é o próprio déficit habitacional apontado pela Prefeitura de 2.185 habitações.

“À noite, a região fica desocupada com toda uma potencialidade a ser usufruída. Residência é ligação desses interesses e significações”, diz Euler Muniz, arquiteto e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor).

IVNA GIRÃO
REPÓRTER

Agitação de dia e vazios ao anoitecer
A reportagem acompanhou essa transição do cair da tarde e o começar da noite no Centro. Já às 19h, tudo vai se desfazendo, sobra um novo público: pessoas em situação de rua, catadores e recicladores de lixo, poucos bares abertos. Os mais de 350 mil usuários da região se tornam poucos “gatos pingados”.

Como revitalizar, se resta a escuridão, o temor e os vazios? Para Eudoro Santana, presidente do Instituto de Planejamento de Fortaleza (Iplanfor), a retomada passa pela ocupação e pela moradia. Questionado sobre as estratégias existentes para a gestão enfrentar os problemas, ele esclarece que há um plano habitacional para reabilitação da área central de Fortaleza, que está sendo examinado pela Prefeitura Municipal no que se refere às intervenções propostas, notadamente, no que diz respeito aos imóveis vazios ou subutilizados. Ainda conforme Santana, um estudo projeta déficit habitacional para a área central estimado em 2.185 habitações. Mapeamento de 2010 identifica cerca de 600 imóveis vazios ou subutilizados no Centro.

“Por outro lado, será feita uma avaliação da possibilidade de adequarmos as edificações vagas ou subutilizadas, que existem na área central, para habitação”. Sobre a quantidade de bens aptos para a moradia, por exemplo, Santana diz não saber, faz a avaliação de é impossível de ser quantificado uma vez que “a maioria desses imóveis precisa ser adaptada para uso residencial, além evidentemente da revisão de todas as instalações, elétricas, sanitárias e hidráulicas”.

E essa vontade da retomada é aguardada por muitos comerciantes e moradores que relatam temer pelo futuro da região.

O proprietário do restaurante Lions, na Praça dos Leões – reduto conhecido da boemia, Paulo da Silva, sente redução da clientela, lamenta abandono desse e de outros logradouros. “Estamos tendo queda de 30% dos clientes. Fazemos festas e sentimos que a população não quer mais vir ao Centro. Há que se pensar ações urgentes”, conta.

+OPINIÃO DO ESPECIALISTA

“Centro é espaço de vida, por que não residir?”
Discutir moradia nos centros das cidades brasileiras atualmente tem ganhado relevância mediante as características que as áreas centrais das grandes metrópoles nacionais possuem, tanto em termos de infraestrutura quanto na disposição de serviços e equipamentos urbanos: são muito bem servidas. Na cidade de Fortaleza também é assim.

Observa-se queda de população residente no Centro de Fortaleza desde os anos 1970, tanto pela crescente especialização econômica a ele dispensada quanto pela expansão da cidade e as possibilidades viárias de deslocamentos mais longos. Em 2010, aumentou o número de moradores – com a maioria de adultos e com crescimento de idosos – e de domicílios – com boa parte deles ocupados por um ou dois moradores e são geralmente apartamentos, moradias verticalizadas.

No entanto, persistem os prédios subutilizados, sem a sua efetiva ocupação, restrita em muitos casos ao térreo para as atividades comerciais.

Ordenamento urbano presume (im)por ordem a algum lugar, e o Centro é o local que recebe mais atenção de câmeras de monitoramento e ações de limpeza urbana. Tratar de políticas urbanas, todavia, é mais complexo e carecem de maior diálogo e planejamento de ações com toda a cidade.

O plano elaborado a este local propõe intervenções que ampliam o espaço público, mas que resultaria em uma valorização fundiária que dificultaria prescrições do Plano Diretor Participativo de Fortaleza a boa parte do Centro, caracterizado como área alvo de ações prioritariamente ao aproveitamento da infraestrutura disponível focando habitação de interesse social. As políticas habitacionais realizadas nos últimos anos pouco operaram na área central, comparando valores estimados nas leis dos orçamentos anuais com os balanços gerais, com a justificativa técnica do alto preço da terra e com o infeliz reforço político de que pobre tem que morar na periferia.

Observa-se, porém, a construção de apartamentos para uma classe média que parece pretender retornar. O retorno ao Centro é seletivo, lento.

Como o Centro poderia ser efetivamente ocupado? Com a valorização de seu patrimônio histórico e atraindo a população para além da realização de seu consumo comercial, também pode ser um local residencial, de moradias.

Combater o déficit habitacional e a subutilização de imóveis é um importante exercício, utilizando instrumentos previstos no Estatuto da Cidade. Ademais, o Centro de Fortaleza não é só o espaço da festa, mas também um espaço de vida de pessoas que também trabalham e, por que não, residir?

Felipe Silveira
Mestre em Geografia e Professor da Uece

Fonte: Diário do Nordeste