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Do apogeu à degradação

By 18/07/2011No Comments
Charles rocha ex-morador de rua, converteu-se na cadeia, e hoje trabalha na melhoria da Praia de Iracema  FOTO: LIANA SAMPAIO

Charles rocha ex-morador de rua, converteu-se na cadeia, e hoje trabalha na melhoria da Praia de Iracema FOTO: LIANA SAMPAIO

Das 22 intervenções do projeto de revitalização, quatro foram concluídas e sete estão em andamento

Alimentando-se das recordações de um passado em que a violência urbana tinha proporções menores e da esperança de um futuro no qual um dos cartões-postais da cidade volte a ser um dos pontos mais frequentados, comerciantes da Praia de Iracema tentam resistir ao processo de degradação da região.

Enquanto alguns ainda lutam contra a perda de clientes, outros, cansados de esperar por intervenções efetivas, cedem à deterioração, evidenciada pelos comércios abandonados e pelos moradores de rua que dormem durante o dia na entrada de bares e restaurantes.

Um dos locais a fechar as portas recentemente, a tabacaria La Habanera, localizada na Rua dos Tabajaras, recebeu, durante 16 anos, grupos de amigos que tinham o espaço como um ponto onde podiam conversar enquanto tomavam café e compravam charutos.

Um dos antigos frequentadores, o professor universitário Luís Carlos Alencar, diz não ter se surpreendido com o fechamento da tabacaria, já que o declínio do comércio na região era perceptível.

Segundo o proprietário do estabelecimento, Amâncio de Oliveira, a decisão de fechar a tabacaria – que funcionou por 16 anos – resultou da perda contínua de clientes, os quais se afastaram da região por se sentirem intimidados pela presença de mendigos e moradores de rua que se espalharam pela Praia de Iracema nos últimos anos. “E com o uso do crack, a pessoa fica mais atrevida”, ressalta.

Oliveira diz ter aguardado, por anos, a revitalização da Praia de Iracema. “De promessa, quem vive é santo. Começou a revitalização em 2008, depois foi pra 2009, 2010 e agora vai terminar só em 2012”, comenta em relação às promessas de intervenções da Prefeitura.

Ele lembra que muitos foram os estabelecimentos que fecharam antes da tabacaria, por conta da insegurança.

ESPERANÇA

A revitalização de uma alma feliz

A poucos metros dos bares em cuja fachada se abrigam os moradores de rua, Charles Rocha, 29 anos, trabalha como servente nas obras de revitalização da Praia de Iracema. Em vez de indiferença, os homens e mulheres que dormem no chão, sem calçados ou cobertores, evocam em Charles sensações que variam da angústia à esperança.

As ruas e calçadas por onde hoje o servente carrega materiais de construção são velhas conhecidas. Os estabelecimentos comerciais que observa diariamente são antigos companheiros. Há cerca de dez anos, era um dos moradores de rua que viviam na Praia de Iracema.

Sem contato com a família, sem lar, sem fé, deixou-se consumir pelo vício em drogas e pela prática de furtos. Em determinada noite, foi preso após praticar um assalto. Não desconfiava, naquele momento, a transformação pela qual passaria.

Se perdeu temporariamente o direito de transitar pelas ruas, ganhou outro tipo de liberdade, que lhe assegurou algo mais precioso do que os bens materiais que tentara roubar. No presídio, por meio do contato com colegas e membros de uma igreja, tornou-se religioso e passou a lutar contra o vício e a miséria em que se encontrava.

Ao sair da unidade prisional, negou-se a aceitar a vida nas ruas e procurou um emprego e um lar onde pudesse viver. Algum tempo após ser contratado por uma empresa de construção civil, surpreendeu-se ao saber que iria trabalhar na Praia de Iracema.

O espaço onde antes vivia e assaltava não havia passado por grandes mudanças durante os sete meses em que Charles esteve preso. Todavia, se o espaço permanecia inalterado, o homem estava transformado. Ao observar os mendigos e dependentes químicos, ele diz sentir algum tipo de responsabilidade em relação àquelas pessoas.

Como se buscasse compensar os crimes cometidos, Charles encara diariamente o próprio passado – refletido na condição precária dos moradores de rua – e se esforça, através das possibilidades oferecidas pela profissão, para colaborar com a construção de uma realidade distinta. “Jesus me fez vir aqui para poder trabalhar e falar com essas pessoas. Eu antes mexia com o povo. Agora, o ajudo”.

A mesma fé que o fez abandonar o vício o leva a ter esperança de que se transfigurem, também, a vida de outros moradores de rua, e a situação da Praia de Iracema. Para o homem que afirma ter alcançado “o fundo do poço”, uma mudança, ainda que árdua e lenta, é possível e almejada.

Fonte.: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1012776

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