Queda da renda familiar combinada com avanço da inflação em meio à crise desencadeada pela pandemia estão entre os principais fatores do aumento das dívidas na Capital. Alimentação e aluguel estão entre os principais gastos.
A parcela de consumidores com contas em atraso em Fortaleza mais do que dobrou no ano passado, saindo de 6,6%, em dezembro de 2019, para o patamar de 13,7% em dezembro de 2020, o que representa um salto de 107,5%. Em igual período, o percentual de consumidores da Capital que tinham algum tipo de dívida cresceu 24,1%, passando de 60,9% dos consumidores em 2019 para 75,6%.
Os dados são de um levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento do Comércio (IPDC) da Federação do Comércio do Ceará (Fecomércio-CE), divulgados ontem (27).
Entre os fatores que contribuíram para esse avanço, a Fecomércio-CE cita o aumento do desemprego, da inflação e o cenário econômico de incertezas em meio à pandemia.
“Ao longo dos últimos 13 meses, o patamar de 75,6% de endividados no último mês do ano passado só não é maior que o verificado em abril de 2020, quando a pandemia impactou com mais força os vários segmentos da economia em Fortaleza. Em meio ao aperto financeiro e ao apelo no consumo do fim do ano, o consumidor fez mais dívidas”, informa a entidade.
Renda familiar
Para o economista Allisson Martins, coordenador do curso de Ciências Econômicas da Universidade de Fortaleza, os números refletem os impactos negativos da retração da atividade econômica causada pela pandemia, sobretudo a queda de renda das famílias em um cenário de inflação alta. “A pandemia provocou efeitos econômicos bastante negativos para o orçamento das famílias. Em 2020, nós tivemos uma combinação muito preocupante de elevação do desemprego e inflação dos alimentos. Então, enquanto o desemprego jogava a massa salarial para baixo, itens básicos tiveram alta”.
Nesse cenário, Martins destaca que o consumidor acaba ficando sem saída, tendo de priorizar itens básicos, como os relacionados com alimentação e moradia, em detrimento de despesas assumidas antes da crise, como compras de bens parcelados, por exemplo, no cartão de crédito. “Nesses momentos, as pessoas começam a fazer escolhas sobre a alocação de seus recursos, priorizando itens de primeira necessidade”, diz.
Quanto à inadimplência (atraso no pagamento das contas), maio foi o pior mês dos últimos 13 meses, quando 14,6% dos consumidores da Capital estavam nesta situação. A taxa caiu em junho (13,9%) e julho (9,3%), mas voltou a subir nos meses seguintes. No último trimestre do ano, a taxa de inadimplência atingiu 11,1%, 12% e 13,7%, em outubro, novembro e dezembro, respectivamente. O momento em que a renda se mostrou mais comprometida para mais consumidores foi em junho (41,9%) e, em menor grau, em novembro (35,7%).
Tipos de gasto
De acordo com o levantamento, o que levou o fortalezense a fazer mais dívidas a prazo foram as compras com alimentação – caso de 48,2% dos entrevistados. “(Esse item) tem conduzido ao financiamento nos gastos da população na Capital cearense, que tiveram ainda maior reflexo diante da elevação significativa nos preços dos alimentos”, diz a Fecomércio-CE. Em seguida, os maiores impactos no ano foram dos segmentos de aluguel residencial (23,3%), despesas com vestuário (20,8%), eletrodomésticos (19%) e tratamento de saúde (19%).
Somente em dezembro, o grupo de alimentação foi citado como o de maior peso no orçamento familiar, com um percentual de 52%. Em seguida aparecem o aluguel residencial (19,9%), outras despesas (11,1%) e o tratamento de saúde (10,8%), que foi ampliado em muitos casos diante do cenário de pandemia.
Endividados
De acordo com o levantamento, entre os consumidores endividados, as mulheres apresentam a maior taxa (72%). E a faixa de idade com o maior percentual de endividados é a de 25 a 34 anos, correspondendo a 74,4% do total. Quanto à inadimplência, as mulheres também apresentam a maior taxa (11,6%) e a faixa de idade com maior percentual de contas em atraso é de 35 anos ou mais (12,7%).
A pesquisa mostra que a facilidade e praticidade do cartão de crédito acabou fazendo com que esse meio de pagamento fosse o mais utilizado para efetuar compras a prazo em 2020, representando 72% do total. Outras modalidades tiveram participação de 25% e, em terceiro lugar, aparecem os financiamentos, citados por 15,4% dos fortalezenses entrevistados.
Desequilíbrio
Conforme o levantamento, as principais razões que levaram os consumidores a se encontrarem com dívidas em atraso foram o desequilíbrio financeiro (50,2%) e o adiamento do pagamento do débito, com a destinação dos recursos para outros fins (43,3%). Considerando o tempo para saldar a dívida, um percentual expressivo de fortalezenses (49,6%) leva mais de 90 dias para quitar seus débitos. Enquanto 21,7% levam de 31 a 60 dias e 17% demoram até 30 dias.
O valor aproximado das dívidas dos consumidores fortalezenses fica entre R$ 501 a R$ 1.000 para 20,6% do total; de R$ 1.001 a R$ 1.500 para 18,2% e 15,6% dos consumidores têm dívidas que somam uma quantia acima de R$ 5 mil.
Apesar do aperto financeiro, o grau de comprometimento da renda do consumidor fortalezense fechou 2020 em um nível levemente inferior ao fechamento de 2019. Em dezembro de 2019, o indicador era de 38,7% e cedeu para 36,0% em dezembro de 2020.
Controle de gastos
Apesar do elevado grau de endividamento de muitos fortalezenses e das dificuldades para manter as obrigações financeiras em dia, 71,5% dos consumidores na Capital ouvidos no levantamento afirmam que fazem orçamento e que consideram ter o controle eficaz dos seus rendimentos e gastos mensais.
A pesquisa é realizada sempre nos três primeiros dias úteis de cada mês, em pontos de grande fluxo de consumidores. Segundo a Fecomércio-CE, o tamanho da amostra foi definido para um nível de confiança de 95%, com margem de erro máximo de 3,5%.
Brasil
Um estudo elaborado pelos Indicadores Econômicos da Boa Vista apontou que o auxílio emergencial contribuiu diretamente na queda de pagamentos com datas de vencimento atrasadas em mais de 15 dias no segundo semestre de 2020. Em abril do último ano, esses atrasos chegaram a 25,8% para beneficiários do auxílio. Em outubro, essa parcela caiu para 18,3%.
Entre os que não receberam o benefício, o valor caiu de 17,7% para 15,6%. O estudo conclui que o auxílio colaborou no pagamento de dívidas bancárias, sendo responsável pela recuperação do crédito.