PREFEITURA
A prefeita analisa a marca que deixa ao fim de seu governo, diz que seu ex-aliado, o governador Cid Gomes, foi sua maior decepção política e fala pela primeira vez sobre o cancelamento do Réveillon em Fortaleza.
A prefeita Luizianne Lins (PT) diz que não é gestora tradicional, defende seu legado e fala sobre a vida depois de deixar o poder. (colaborou Marina Solon).
O POVO – Qual a marca que a prefeita Luizianne Lins deixa para Fortaleza?
Luizianne Lins – Deixo uma cidade radicalmente diferente da que eu recebi, em todos os sentidos. Principalmente, a alma da cidade, que acho que foi tocada verdadeiramente. Não vi nenhuma cidade no Brasil que teve tanto legado virtuoso. Como marca, acho que a gestão se caracterizou por começar a construção de um projeto de cidade. Porque essa cidade tava tão defasada do ponto social, político, de cultura política, postura política, que deixamos a marca de perceber, de olhar pra cidade de forma diferenciada. Invertemos a pauta da cidade. Olhamos pro povo mais pobre. Compreendemos que Fortaleza é apartada socialmente e juntamos a cidade. Somos responsáveis por inaugurar o primeiro espaço de massa, de socialização das pessoas, que foi o Réveillon. Em sete anos nessa travessia, onde não houve um problema de violência, de denúncias policiais. O evento foi todo caracterizado por uma paz absoluta. Melhoramos em todas as áreas. Essa preocupação da marca do social envolve a diminuição das áreas de risco, da estruturação da defesa civil. Nenhum cidadão morreu vítima de alagamento ou de problemas nas áreas de risco. Gestão que se caracterizou, por exemplo, por forte pensamento ambiental. Vamos deixar a marca do resgate do patrimônio histórico e cultural. Fortaleza era uma cidade muito largada. Deixamos uma cidade com muita virtuosidade no sentido de investimentos. Fortaleza hoje é a cidade do Nordeste que mais abre pequenas e médias empresas. Uma cidade que fez com que a periferia se sinta no direito de cobrar os direitos dela, como a área nobre sempre cobrou. A marca da Fortaleza Bela pra nós traz um conceito de cidade para além da infraestrutura física, que nós também melhoramos e fizemos grandes obras. Iniciamos o processo de construção da Fortaleza.
OP – A senhora fala da consolidação do Réveillon. Não fazer o Réveillon nesse momento não atrapalha sua marca?
Luizianne – Acho que não. Eu recebi tanto apoio das pessoas pra não fazer. Porque as pessoas sabem que uma marca negativa do Réveillon, caso acontecesse alguma coisa na festa, pode suplantar todas as outras marcas boas que deixei. É um momento delicado, eu tô saindo. As pessoas têm de entender que meu governo acabou. Durante meu governo, posso fazer as coisas e me responsabilizar por elas. Não tenho medo de enfrentar dificuldades, tanto que fiz um Réveillon ano passado com um milhão e meio de pessoas, mesmo com a greve da Polícia Militar. O Réveillon já é pra estar consolidado ao ponto de que hoje a própria cidade, a iniciativa privada, entre de cabeça e o poder público venha só auxiliar, como acontece em outros lugares. Nós não conseguimos ainda que a iniciativa privada comprasse pra si a ideia da festa e o poder público só ajudasse. A carga ainda é toda sobre o poder público municipal. Mas, acho que isso não vai ficar marcado na cabeça das pessoas, não. As pessoas entendem que, no final das contas, foi um produto criado por nós, mas que meu governo acabou. Nunca me foram dadas as seguranças necessárias do ponto da segurança pública pra fazer a festa. A Secretaria do Patrimônio da União cedeu o aterro pra fazer uma festa recentemente, mas, até agora, estranhamente, não licenciou pra nós. Então, não me senti à vontade. Porque, no fundo, o que o governador queria era fazer a festa, era me tirar esse legado. Talvez por isso as instituições que estão no entorno fizessem com que, a esta altura do campeonato, não tivéssemos a estrutura pra fazer a festa.
OP – A senhora acha que o governador já tinha planos de fazer a festa?
Luizianne – Acho. Eu tava sendo abordada por pessoas que estavam querendo saber de forma muito ansiosa se eu não ia fazer a festa. Pessoas, produtores que estavam interessadas em fazer a festa, como se já soubessem que ela ia ser feita. Como é que uma pessoa diz que não vai fazer a festa num dia e no outro dia os artistas estão todos contratados? Não existe isso.
OP – Uma das marcas dos especialistas que ouvimos foi da Luizianne como mulher guerreira, heroína, mulher simples, mulher que veio pra trabalhar para o povo. A senhora acha que se encaixa nesse perfil?
Luizianne – Acho que sim. Acho que meu objetivo foi esse, governar pro povo mais simples, não que a gente tenha esquecido de governar para todos. Mas governar pra todos é tratar diferente os diferentes. Outra marca que eu não tenho dúvidas que vou deixar é na qualidade das nossas obras. Nossas obras são de excelente qualidade.
OP – Os especialistas ouvidos falaram também que faltou gestão, faltou a prefeita executora. Como a senhora encara isso?
Luizianne – É completamente equivocada essa avaliação. As pessoas têm concepção formal, burocrática do que seja gestão. O que é gestão além de você tirar a cidade de um buraco financeiro, sanear as finanças, captar mais de um bilhão em obras e projetos da cidade e executar como executamos? Vila do Mar, Praia de Iracema, 81 novas escolas construídas padrão MEC, 900 novas salas de aula, criação da defesa civil, ampliação da Guarda Municipal, Transfor, 190 km de rebaixamento de calçadas, drenagem urbana em 60% da cidade, casas construídas, iluminação de áreas de risco, lagoas urbanizadas… Isso é gestão. Isso é execução.
OP – A senhora acha que essa avaliação se deve às obras inacabadas? Os dois Cucas prometidos, das regionais V e VI, ainda não foram entregues.
Luizianne – Esses dois serão inaugurados, sim, antes do fim do meu governo. Não é porque as obras são inacabadas, é porque Fortaleza precisava de muita obra e eu abri muitas frentes de serviço, porque eu consegui muito dinheiro pra investir na cidade. Fortaleza é a cidade brasileira que, desde 2006, mais investe recursos externos em obras. Fizemos obras demais, porque a cidade precisava. Mas não podemos fazer tudo em oito anos. Recebemos o caixa de dívida fundada, que é dívida de empréstimo, no valor zero. Estava zerado. E vamos deixar mais de um bilhão de reais pro próximo prefeito. Tudo eu comecei do zero: os projetos, depois captar recursos, depois licitar. Não tinha nada como estou deixando. O que é isso, se não executar? Essa cidade nunca viu, nos últimos 50 anos, tantas obras quanto nós fizemos. Não foram concluídas algumas porque foram tantas, que uma ou outra vai ficar por ser concluída. Mas o caminho foi dado e há dinheiro para que se finalize. O que é gestão, se não isso? Acho que isso é um preconceito.
OP – Preconceito pelo fato de a senhora ser mulher?
Luizianne – Não, preconceito com a minha forma de ser e como eu trabalho. As pessoas têm uma visão tradicional de gestor, e eu não sou uma gestora tradicional. Isso não quer dizer que eu não tenha feito uma grande gestão. Quem foi o prefeito que fez tanta obra quanto eu? Qual prefeito mais fez essa cidade se movimentar culturalmente? Isso não é gestão? O que é gestão, então? Isso é uma visão burocrática, preconceituosa do que seja gestão.
OP – O sentimento agora é de decepção com os que eram aliados até pouco tempo e depois da derrota pularam do barco?
Luizianne – Minha maior decepção foi com o governador Cid Gomes, porque era uma pessoa em que eu acreditei em determinado momento. Eu confiei nele. Principalmente quando ele não era nada, apenas ex-prefeito de Sobral. Achei que ele era diferenciado. Pra mim, ele foi uma profunda decepção, pela forma como ele me tratou, pelo que ele disse de mim. Coisas injustas e duras com a minha figura, pessoalmente. Eu nunca o ofendi, principalmente em momentos que ele mereceu até. Nunca fiz isso, porque aliado não é pra fazer isso. Decepcionei-me muito com a agressão que ele me tratou, com as coisas que ele disse pessoalmente de mim, críticas injustas à minha pessoa. A minha vida toda eu dediquei a política, faz 14 anos que eu não tiro férias oficiais. E ele ter dito que eu não gostava de trabalhar e só gosto de fazer confusão foi de um desrespeito enorme. De uma arrogância profunda que eu não esperava dele. Ele é minha pior decepção, porque foi nele que eu mais coloquei expectativa. Hoje, não. Acho que ele é dissimulado. Acho que ele é enrustido, no sentido de não falar, mas na hora que ele acha que é conveniente ele vai lá e agride. Eu não esperava isso dele. Mas tem muita gente fiel também. Parceiro e companheiro nas dificuldades. O resto faz parte do jogo, da história. Não criei expectativa com outras pessoas, mas com ele sim. Isso pra mim foi doloroso.
OP – No dia 1° de janeiro de 2013, o que a senhora pensa em fazer?
Luizianne – Depois que eu transmitir o cargo ao prefeito eleito vou sair no meu Pálio, meu carro particular, e fazer o que eu não faço há 16 anos: cuidar das minhas vontades, dos meus desejos, dos meus hobbies. Vou ler, escrever, estudar. Vou cuidar do meu filho porque fui muito ausente, não estive presente, viajei muito. A partir desse dia, vou buscar contato comigo mesma. Pelo menos no mês de janeiro vou fazer isso. Me permitirei ficar sem preocupações. Vou para o Rio de Janeiro. Na hora que sair daqui, vou direto pro aeroporto, sozinha. Vou olhando o tempo, sem me preocupar de forma concreta com a responsabilidade que é ser prefeita de uma cidade tão grandiosa como essa.
OP – Qual a mensagem que a senhora deixa como prefeita numa última entrevista como prefeita?
Luizianne – Saio com o coração alegre, com sentimento de dever cumprido. Fiz um governo onde procurei dar o máximo de mim, principalmente do ponto de vista ético. Saio sem nenhum tipo de escândalo nem nada que me envergonhe, muito pelo contrário. Em oito anos, fiz as coisas direito e saio do jeito que eu entrei. Fiz tudo o que eu podia, me dediquei mesmo a essa cidade. De corpo e alma. A única coisa que eu queria é que as pessoas entendessem que essa cidade não pode dar nem um passo pra trás, em nenhum aspecto. Porque os passos mais difíceis foram dados. Agora a cidade tem que cobrar mais conquistas ainda. Tudo o que podia ter sido feito eu fiz. Fiz até coisa demais, tanto que não deu tempo de terminar.
Não pequei por omissão, mas por excesso.
O POVO online
Confira a entrevista na íntegra no canal de Política do portal O POVO Online e veja:
– Luizianne fala sobre os planos para 2014.
– A prefeita analisa o que mudou nela como pessoa antes e depois de passar pelo poder.
– Ela comenta ainda a imagem que ficou dela depois da última eleição municipal.
Fonte Jornal O Povo