CARTA ACÚSTICA (12/9/2010) Diário do Nordeste
Segundo pirâmide da OMS, numa escala de cinco, Fortaleza atingiu o grau três com impactos graves sobre a população
A barulheira é geral em Fortaleza. Tráfego de carro, caminhão, ônibus, avião, motos, além de buzinas, sirenes, obras, equipamentos eletrônicos, carro de som, shows, fábricas, gente falando alto ou até gritando fazem parte do cotidiano da cidade e responsáveis por um mal “silencioso” e muito perigoso: a poluição sonora. Segundo constata a Carta Acústica, ainda a ser divulgada oficialmente pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Controle Urbano (Semam), a situação é mais crítica do que pensamos e com resultados danosos para a nossa saúde.
Só para se ter ideia do tamanho do problema que a cidade enfrenta, de acordo com a pirâmide de riscos da Organização Mundial da Saúde (OMS), numa escala de cinco graus, Fortaleza chegou ao terceiro patamar. Isso significa que a população está exposta a decibéis bem acima do suportado pela audição e com isso, sendo vítima do desconforto auditivo, do estresse, alterações da pressão arterial e do sistema nervoso.
“Corremos um sério risco de em pouco tempo chegar ao quarto patamar”, alerta o coordenador da equipe de combate à poluição sonora da Semam, Aurélio Brito. Para evitar o pior, aponta ele, é preciso haver maior controle sobre as fontes poluidoras, como as casas de show e veículos de propaganda, cuja aparelhagem de som chega a níveis acima de 100 decibéis (db). “Que é um nível extremamente perigoso para quem fica exposto por muito tempo ao som nessas alturas”.
Que o diga o estudante Pedro José de Almeida, de 20 anos de idade. Com perdas na audição devido ao uso diário de MP3 e gostar de ouvir bem alto o som de seu carro, ele precisou, há pouco mais de três meses, a usar um aparelho auditivo. “Comecei com um incomodo, mas nem liguei e continuei a gostar de música bem alta. Agora, sei que fiz errado e poderia ter prevenido o problema”, confessa.
A prevenção é a única alternativa para evitar a surdez, alerta o otorrino e chefe do Núcleo de Saúde Auditiva do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), João Deodato. “O problema é irreversível. O aparelhinho apenas amplifica o som para a pessoa escutar um pouco melhor”.
Segundo o médico, a perda auditiva induzida por ruídos afeta pessoas de todas as idades. A poluição sonora, diz, é definida pela ONU como a terceira de maior impacto na população, mas a que apresenta o maior perigo por sua dificuldade de percepção e aceitação imediata de seus efeitos, que só são notados ao longo do tempo.
A fonoaudióloga Emília Kelma aponta que a poluição sonora também interfere na comunicação oral, que é base da convivência humana. “Além disso, perturba o sono, o descanso e o relaxamento, impede a concentração e aprendizagem, e o que é considerado mais grave, cria estado de cansaço e tensão que podem afetar significativamente até o sistema cardiovascular”.
Problemas esses enfrentados pelo aposentado José Matos Pordeus, de 73 anos. Ele procurou atendimento no HGF e foi encaminhado pelo especialista para o Núcleo Auditivo. “Não durmo direito pois moro perto de uma fábrica e também meus netos adoram ouvir som alto dentro de casa. Faz tempo que sentia que não escutava direito, mas agora piorou muito”, conta.
Casos como os de José são comuns, frisa Kelma. Ela conta que já atendeu pacientes, como um músico de 32 anos de idade, que perdeu a audição da noite para o dia. “Ele costumava passar horas a fio à frente de aparelhagem de som em festas e deu no que deu”, lamentou.
A poluição sonora em Fortaleza já é fator de risco para a saúde pública, aponta Aurélio Brito. A Carta Acústica, ainda está sendo finalizada e trará o mapa dos ruídos, apontando ações de combate. “O desrespeito à legislação e à população é gritante na cidade”, critica. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), informa, o limite tolerável ao ouvido humano é de 65 decibéis. “Aqui, em muitos locais, passamos e muito desse limite”, afirma, citando como exemplo o tráfego de uma avenida de grande movimento, com a Santos Dumont ou Antônio Sales, pode chegar aos 85dB. Se a via estiver em obras, a coisa piora, chegando a 120db.
Várias cidades brasileiras já reduziram seus níveis a parâmetros mais aceitáveis, procurando adequar-se a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) buscando também se aproximar de patamares aceitáveis praticados nos países de primeiro mundo.
Tendência natural, aponta Aurélio, é seguir os mesmos caminhos que a maioria das grandes cidades tem tomado: fechar o aeroporto no horário noturno e proibir a operação de aviões com tecnologia defasada e estabelecer horários para a realização de shows em áreas públicas, como o Aterrinho da Praia de Iracema. É preciso melhorar e isso, garante, a Semam está fazendo com a capacitação da equipe, maior rigor nas autorizações e liberações para uso de equipamentos sonoros. “Também estaremos atentos e responsável pela cassação de autorizações e alvarás, fechando os estabelecimentos que não atenderem à legislação vigente”.
Enquete
Ruídos e estresse
“Fortaleza está muito barulhenta. O trânsito é o pior com buzinas e zoada de motor ligado todo tempo”
David José da Rocha
18 anos
Estudante
“Carros com som altíssimo e sem respeito a ninguém são os que mais te deixam estressado e com perda na audição”
Francisco Alves Teixeira
62 anos
Aposentado
Perigo aumenta
“A poluição sonora pode destruir a célula auditiva e isso é irreversível. É preciso cuidar e prevenir”
João Deodato
Médico chefe do Núcleo Auditivo do Hospital Geral de Fortaleza (HGF)
NÚCLEO AUDITIVO
Aumenta procura por atendimento no HGF
A equipe multidisciplinar do Núcleo de Saúde Auditiva do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) redobrou trabalho nos últimos meses com o aumento no número de pacientes que procuram por atendimento especializado. Lá, são realizados desde exames até implante coclear ou o “ouvido biônico” pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A queixa é quase unânime: problemas ou perda gradual da audição provocadas pela poluição sonora, medicamento ou genética.
A médica Emília Kelma diz que não é incomum as pessoas atendidas se queixam de problemas que vão desde perda de reflexos, irritação permanente, insegurança, embaraço nas conversações, perda de compreensão das palavras, dores de cabeça, fadiga, distúrbios cardiovasculares, distúrbios hormonais, gastrites e disfunções digestivas. “A perda da audição também é consequência grave”.
Entre os tratamentos indicados, o HGF já faz desde julho passado, o implante coclear . Nove pacientes receberam o benefício e ainda nesta semana, a equipe do Núcleo irá “ligar” o aparelho para que eles possam escutar. “É um processo de reaprendizagem da escuta”, explica o médico João Deodato.
O implante coclear, explica ele, é um equipamento computadorizado colocado dentro da cóclea, na parte interna do ouvido. Ele capta os sons e os transforma em sinal elétrico, que é interpretado no cérebro como estímulo sonoro. A unidade custa em torno d e R$ 60 mil.