TRANSPORTE PÚBLICO
Seja de ônibus, vans ou trens, passageiros fazem praticamente as mesmas reclamações sobre o sistema
Sair de casa para ir ao trabalho é um desafio para quem precisa se deslocar de transporte público pelas ruas de Fortaleza e da Região Metropolitana. Se por um lado o uso de coletivos é apontado como uma solução para a mobilidade urbana, por outro, ainda há muito a ser feito para possibilitar uma viagem rápida, confortável e segura para os usuários. Apesar das intervenções atualmente em curso, o cidadão é cético com relação a melhoras significativas no curto prazo.
Seja se deslocando de ônibus, transporte complementar (van) ou trem, as reclamações são praticamente as mesmas, ainda que cada modal tenha problemas característicos. A reportagem fez o trajeto em cada um destes meios de transporte para conhecer de perto a situação e desafios enfrentados pelos usuários. A superlotação, o medo de assaltos, atrasos e a falta de paradas com cobertura para proteger do sol e da chuva são as principais reclamações de quem precisa utilizar ônibus e vans na Capital. Nos trens, além do excesso de passageiros, a mudança da estação no Centro também incomodou.
Incômodo
Por volta das 5h30, o pedreiro Jorgenei da Silva já aguardava o ônibus em frente a um shopping em Maracanaú, rotina que se repete “faz anos”. O transporte chegou ao local dez minutos depois, já lotado. Mas não há outra opção para o profissional. Ele precisa entrar no trabalho às 7h e não pode perder tempo.
“Às vezes, a gente atrasa mas o chefe não diz nada porque sabe onde a gente mora”, explica Jorgenei, que ainda precisa pegar um outro coletivo para até a Av. Washington Soares, onde trabalha. Com relação às condições do transporte, ele é claro. “O transporte é um aperreio danado. Aqui é lotado e lá no outro, também. Vou em pé o tempo todo”, reclamou.
A situação também incomoda o auxiliar de nutrição Edmilson Martins, que utiliza a mesma linha, Novo Maracanaú, há 27 anos. “O que mais marca a viagem é a lotação. Sempre fica cheio demais”, afirma. Insegurança é outro ponto que preocupa. “O problema é só a superlotação mesmo e a falta de segurança. Eu já fui assaltado dentro de um ônibus lotado”, disse.
Mesmo com os problemas, o clima no ônibus é amigável. “Aqui, é todo mundo colega, porque a grande maioria sempre pega o mesmo ônibus”, explicou Edmilson. Ele sugeriu ainda a instalação de ar condicionado. “Seria melhor, porque é uma viagem de uma hora”, disse.
Lentidão
O trajeto de 23 Km até o Centro da Capital, ponto final da linha levou uma hora e cinco minutos, o que representa uma velocidade média de 21,2 Km/h. “O meu maior desafio é o trânsito. Você precisa saber lidar com ele, porque você passa praticamente o dia parado” explica o motorista da linha Evandro Sousa.
Apesar da lentidão na ida ao trabalho, os passageiros asseguram que a volta para casa é muito pior. “À noite, a gente sai do Centro às 18h15, pega um ônibus lotado e chega às 20h30. É um absurdo”, desabafa a técnica de patologia clínica Geralda Nunes. Ela reclama ainda das condições dos pontos de ônibus. “Não tem estrutura nas paradas de ônibus. Se estiver chovendo, a gente fica molhado. Não tem uma cobertura”, completou.
Topiques
A situação dos usuários de transportes complementares (vans e topics) não é diferente. A linha 03 (Paupina/Pici) é a maior de Fortaleza, com 26 Km de extensão. Antes das 6h, os veículos já estão cheios. “Se tivesse mais espaço, eles levavam mais ainda”, afirma o pintor Raimundo Nonato Filho. “Acho que um dia eles vão tirar as cadeiras e vai ficar todo mundo em pé”, brinca.
Apesar de haver 20 carros fazendo a linha, os transportes costumam atrasar, segundo os passageiros. “A gente passa mais de meia hora esperando. De manhã até que é bom, mas de tarde, Deus me livre”, desabafa a doméstica Francinete Costa, que faz todos os dias o mesmo trajeto até a Aldeota. A situação não é menos difícil para quem presta o serviço. “Se você para e mais gente sobe, os passageiros reclamam. Se não para por não ter mais espaço, eles ligam para a empresa e reclamam do mesmo jeito”, explicou a cobradora Ana Lúcia Queiroz. O motorista João Bosco complementa: “como motorista profissional, a gente sabe quando dá e quando não dá para colocar mais alguém”.
A van chegou às 6h53 no Pici, um minuto antes do previsto, fato raro, segundo João Bosco. Para ele, o maior problema também é o trânsito. “Eu que dirijo todos os dias vejo a quantidade de carros aumentando nas ruas e não está se tomando nenhuma providência”, afirmou.
Horário
Já o trem da Linha Oeste do Metrô de Fortaleza, que liga Caucaia ao Centro da Capital num trajeto de 19 Km, oferece mais vantagens aos usuários, seja pelo cumprimento do horário, o ar condicionado e a presença de um segurança em cada vagão. O problema, mais uma vez, é a lotação. Outro motivo de insatisfação se dá na hora do embarque, quando muitos passageiros se aglomeram para conseguir um assento no transporte.
“As pessoas não respeitam a entrada. Eu já tomei uma queda por causa disso”, afirmou a desempregada Magdala Aguiar enquanto mostrava cicatrizes na perna esquerda. Com o fechamento da Estação João Felipe, o ponto final da linha passou a ser na Rua Padre Mororó, o que obriga os passageiros a caminharem cerca de um quilômetro até a Praça da Estação. Além da distância, a estrutura improvisada também não agradou.
Sistema metroviário
A Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos (Metrofor), informou que a Linha Oeste transporta uma média de 13 mil passageiros por dia. Contudo, o número deverá aumentar quando o sistema ferroviário for transformado num metroviário, com intervalos de cinco minutos entre cada saída (em vez dos 45 atuais) e em trens mais modernos e rápidos. Segundo a companhia, este é um investimento do R$ 1,2 bilhões com recursos do governo federal.
O Metrofor informou ainda que a Linha Sul, que liga o município de Pacatuba ao Centro de Fortaleza está previsto para começar a operar comercialmente em junho, mas ainda não tem os horários definidos. Além disso, quando as linhas Oeste, Leste e Sul estiverem em pleno funcionamento e integradas entre si e com os ônibus municipais, a expectativa é que todo o sistema atenda uma média de 350 mil passageiros por dia.
Demanda
Já com relação aos transportes rodoviários, a Empresa de Transporte Público de Fortaleza (Etufor) informou que são contabilizadas diariamente 1,1 milhão de passagens na Capital, divididas numa frota de 1.800 ônibus e 320 vans, número considerado ideal para atender a demanda. “O que é necessário para melhorar a qualidade do serviço é priorizar o transporte coletivo, medida que está sendo adotada pela Prefeitura de Fortaleza com a construção dos corredores exclusivos para ônibus”, explicou a empresa, em nota.
Com relação às ações para melhorar o transporte público, o órgão ressaltou a implantação do Bilhete Único e a integração entre ônibus e o transporte complementar. A Etufor afirma ainda que será feita uma readequação das linhas, priorizando a presença de vans nos bairros, para que elas alimentem os terminais e os corredores os corredores exclusivos para ônibus, ainda em implantação.
Já sobre os pontos de ônibus, a Prefeitura informou que existem 4.914 paradas em Fortaleza, sendo 1.252 com abrigos. Segundo a empresa, há um plano para implantar dez novos abrigos por mês na Capital.
Falta planejamento para a Capital, dizem especialistas
Ao analisar a situação do transporte público e da mobilidade urbana em Fortaleza, especialistas de áreas técnicas e jurídicas afirmam que falta um planejamento eficaz. Mesmo as intervenções atualmente em andamento podem não ser suficientes para resolver a questão.
Além dos problemas do transporte público e da mobilidade em Fortaleza, a escalada da violência na Capital também afeta os usuários dos coletivos.
A antropóloga e pesquisadora do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) e professora do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC), Jania Diógenes Aquino, vê a situação de insegurança como um desafio que o Estado deve enfrentar.
A especialista lembrou de casos mais graves, como os dos ônibus incendiados em fevereiro em Fortaleza e Caucaia. Um deles como protesto contra a morte de um morador da Maraponga e os outros ligados a traficantes, que teriam agido em resposta à execução de um chefe do tráfico numa penitenciária.
“Sejam tais eventos protestos populares contra a violência policial ou ações de coletivos criminais contra o Estado (à semelhança do que faz o Primeiro Comando da Capital – o PCC – em São Paulo), são necessárias providências”, afirmou a pesquisadora. Para Jania Aquino, “os principais prejudicados destas ocorrências são os que dependem do transporte público para se deslocar na cidade”.
Serviço precário
Segundo a antropóloga, a má prestação do serviço de transporte também contribui para o aumento dos riscos.
“Em Fortaleza, os usuários de ônibus pagam altas tarifas por serviços precários. São veículos sem conforto, que ultrapassam a capacidade-limite de passageiros em certos trajetos ou horários, não conseguem manter pontualidade e são altamente vulneráveis a assaltos”.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) na última terça-feira (29), mas, até o fechamento desta edição, o órgão não se manifestou acerca do assunto.
Germano Ribeiro
Repórter
Mais informações
Etufor: Av. Dos Expedicionários, 5677, Vila União.
Tel: (85) 3452.9228 / 3452.9205
Metrofor: Rua 24 de Maio nº 60 – Centro.
Tel: (85) 3101.7100
Fonte: Diário do Nordeste