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Bolha de crédito pode estourar a longo prazo

By 28/02/2011No Comments
PERIGO À VISTA 28/2/2011
O Capitalismo sempre precisou dos pobres para as vendas a prazo. Agora, as classes C e D são as mais assediadas
Shandra Aguiar defende a pesquisa e a barganha de preços antes de comprar, além de evitar o desperdício como principais características do consumidor consciente ou cidadão  KIKO SILVA
“A gente se sente mal ao perceber que não valeu nada o tempo em que pagou tudo direitinho. Além das ameaças que ouvi por telefone, tive o meu cartão bloqueado”. O desabafo é da professora Antel Viana Bezerra de Menezes que viu uma dívida saltar de R$ 2 mil para R$ 4mil e, depois, R$ 8mil pela obra e graça dos juros estratosféricos da financiadora do cartão de crédito, em menos de dois anos.

Há dez anos, usava o cartão e “pagava direitinho”, conta. No ano passado, resolveu priorizar a compra da casa própria e se sentiu numa bolha. “Passei a pagar apenas o mínimo”, lembra. Tentou negociar a dívida, recebendo proposta para pagar 16 parcelas e a dívida foi para R$ 8.400,00. Após acordo, via Procon, vai passar dois anos desembolsando R$ 300,00 ao mês, com um detalhe: o cartão está bloqueado.

O caso da professora não é raro e atire a primeira pedra quem nunca cometeu um deslize financeiro. A realidade é fruto da falta de educação financeira como afirmam os consultores da área. Como uma peça no jogo do crédito, a professora foi descartada, após sofrer assédio moral, via telefone.

Remédio amargo

Seguindo a filosofia de que remédio amargo é que cura, assim pode ser comparado o tratamento que as financeiras dão aos clientes, considerados especiais e tratados de maneira cordial, enquanto estão dando lucro. Hoje, com um cartão apenas, a professora promete: “Vou controlar melhor minhas contas”. Seu drama pode ser vivido por muitos dos brasileiros que, a cada dia, são seduzidos pelas benesses do crédito fácil.

O cartão de crédito, considerado como um mal necessário, é apontado como um dos principais responsáveis pela expansão do crédito. Sobre o assunto, o consultor financeiro e especialista em Economia Doméstica e Direito do Consumidor, Cláudio Boriola é incisivo: “O cartão de crédito quer queria, quer não, provoca sempre um desembolso com incerteza na cobertura dos gastos não planejados”.

O consultor explica que “o Capitalismo sempre precisou dos pobres para as vendas a prazo para que pudessem ser sugados sem perceber”. Hoje, os cartões de crédito, as vendas a prazo e a “orgia de 50, 60 e 70% de desconto levam as pessoas ao endividamento”.

No Brasil, “a farra do crédito começou após o mandato de ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, admite Boriola, que destaca o contexto socioeconômico do País naquele momento.

Na sua opinião, “a classe mais empobrecida, viu-se autorizada e facilitada a fazer gastos com as promessas governamentais de que, pagas as dívidas externas sobraria mais dinheiro para o consumo interno”. No entanto, adverte que isso não é bem verdade, justificando: “quem faz sua casa sobre barrancos, futuramente, poderá advir as intempéries do tempo e do credito e, certamente, haverá a “tisnagem” da inadimplência.

Bolha de crédito

Por isso, Boriola não descarta a possibilidade de “uma bolha de crédito no País. “O risco existe. Pode ser a médio ou longo prazo. A facilitação do financiamento interno aos cidadãos, que procuram por fundos para aquisição de moradias, abertura de empresas, aquisição de veículos e, especialmente, aquelas pessoas que estão ainda na informalidade no âmbito do trabalho são componentes dessa “bolha de crédito”, que poderá eclodir.

Conforme analisa Boriola, os atuais governantes que encontraram um lastro mais ou menos sedimentado, terem consciência de que riqueza se consegue com alta produtividade, trabalho e gastos sólidos. “No Brasil, ainda é uma expectativa esperançosa, de boa fé, mas poderá falhar”, esclarecendo que não se constrói riquezas sem que haja um lastro forte de economia. Países que enveredaram por essa oferta de crédito acabaram sendo afetados, uma vez que os bancos funcionam como a economia de um povo.

IRACEMA SALES
REPÓRTER

Fique por dentro
Na ponta do lápis

O primeiro passo é fazer um orçamento. É importante a visualização das despesas

Deve-se traçar uma meta para liquidar as dívidas, mas sem recorrer a empréstimos a juros menores ou agiotas

Outro conselho: esqueça o cheque especial porque ele não faz parte de sua renda

Procure mudar seus hábitos de consumo, evitando compras por impulso e supérfluos

Tente usar apenas um cartão de crédito e fuja das compras parceladas com juros

Pague a fatura o total, e não apenas o mínimo

Pesquise preços e não tenha vergonha de pechinchar. Barganhar preço é atitude de consumidor consciente

As anotações das despesas devem ser diárias, incluindo também o sonho, que funciona como um estímulo. Pode ser uma viagem, um curso de pós-graduação ou a casa própria

Ter sempre consciência de quem compra a prazo paga juros e quem paga juros tem dívidas. Daí vem o risco de se tornar inadimplente

Em caso de endividamento, admita o que deve e pague quando e como puder. É muito importante não comprometer mais de 30% do orçamento com crédito e poupar

Fonte: consultores financeiros entrevistados

CONSUMO CONSCIENTE
População precisa criar novos hábitos

Educar para o consumo. Este é um dos principais desafios dos governantes e gestores de políticas públicas. Caso contrário, dentro de pouco de tempo, será criada uma geração de endividados. A coordenadora do Núcleo de Educação do Consumidor e Administração Familiar, do Departamento de Economia Doméstica da Universidade Federal do Ceará (Educon/UFC), Shandra Aguiar, chama a atenção para dois aspectos do ser humano, inserido no que chama de sociedade do consumo. São eles: necessidades e desejos.

O equilíbrio desse binômio não constitui tarefa fácil e requer educação. Para algumas pessoas, reeducação. Isto é, para aquelas que já se perderam nas armadilhas da “sociedade de consumo” e foram seduzidas pelas ofertas do crédito e até do dinheiro fácil. “Todos nós temos necessidades e desejos”, explica, considerando o hedonismo como uma das características básicas da sociedade contemporânea. E é justamente essa busca pelo prazer, uma das causas do endividamento das pessoas. Não é por acaso que as lojas dos shoppings ficam recheadas de “promoções” sedutoras nos fins de semana. Em especial, nas tardes de domingo, quando ninguém quer ficar em casa ou se sentir sozinho.

Sonho imediato

Como é infinita a possibilidade de sonhar do ser humano, o cartão de crédito representa uma forma de não adiá-los e nem fazer sacrifícios para conseguir a realização de desejos que vão desde viagens, carros, tênis e aparelhos de informática. “O ser humano quer se inserir neste contexto social e passar a consumir mais”, esclarece a professora Shandra. A estratégia é utilizar o crédito com prazos elásticos. Se a pessoa não for educada financeiramente acaba sendo “obrigada” pela sociedade a consumir a fim de conseguir a inserção em um determinado grupo social, observa.

A professora alerta para o fato de que “é preciso distinguir o que é desejo e necessidade”, e assim fazer um planejamento. Ou seja, o que pode ficar de fora e o que é realmente imprescindível. “O planejamento deve levar em conta a possibilidade de cada um”. Antigamente, não existia o mecanismo do crédito, explica, acrescentando que é preciso saber usar as várias formas de financiamento (cartão, cheque pré-datado). “O crédito só pode ser usado sem comprometer o orçamento”, orienta. Não se pode, por exemplo, incorporar o limite do cheque especial ao orçamento da família. Como também é preciso rever os hábitos de consumo.

Sustentabilidade

Outra questão que vem no bojo do consumismo é o cuidado com o meio ambiente. “É preciso evitar desperdício e preservar a natureza”. O que ela chama de consumidor consciente, inclui pechincha e pesquisa de preço antes da compra. Explica que nos países centrais os cartões são usados há mais tempo. No Brasil, sua popularização ocorreu nos últimos 20 anos. “Hoje o acesso chega à classe C” e deve se tornar ainda mais disseminado entre as várias camadas sociais.

Educação financeira

Não tem idade para saber controlar as finanças. A estagiária de Marketing, Lívia Schramm Feitosa, 20 anos, desde os 18 utiliza cartão de crédito quando ganhou limite de R$ 1 mil. “Era alto para quem ainda não trabalhava”. Nunca teve problema com o pagamento. Hoje, confessa que o controle é maior. “Só coloca no cartão “bens mais caros e parcelados”, diz. “É bom pela facilidade e, agora, eliminei os supérfluos da fatura. A gente tem a ilusão de não está gastando”. (IS)

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Fonte.: Diário do Nordeste
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=941149

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